- O que queres dizer quando dizes que me queres?
- Que te quero.
- Mas que me queres como?
- Grelhado, que não faz mal e sabe bem.
- Estou a falar a sério!
- Eu também estava, mas deixa que eu explico.
- Seria a primeira vez.
- Quando digo que te quero, quero dizer que te desejo. Que te quero sem hesitações, que nada me vai contentar a não ser tudo o que tenhas em ti.
- Mas isso não é possível.
- Claro que é.
- Não, não é. Ninguém pode expôr-se assim a outra pessoa.
- Porquê?
- Eu é que estava a fazer a perguntas hoje.
- Desculpa, pensei que esta era uma cama democrática.
- Tem dias.
- Mas diz lá, justifica-me lá essa certeza de que ninguém se pode mostrar totalmente a outra pessoa.
- É óbvio que não. Todos nascemos com um instintivo sentido de auto-protecção. Os outros magoam-nos, não lhes vamos além das armas dar os flancos.
- É isso que pensas?
- É isso que sei. Toda a gente se protege. Em última análise estamos miseravelmente sós.
- E se não quisermos estar?
- Compramos um cão.
- E eu que achava que a cínica era eu.
- É a realidade, não é cinismo.
- Não acho. A realidade é o que dela quisermos fazer.
- Tretas.
- É a minha verdade. É, em última análise, a derradeira verdade que me sustenta a vida. A mais firma e frágil de todas.
- Pensei que já não acreditavas.
- Deixei de acreditar no ser humano individualmente. Mas ainda acredito no poder do livre-arbítrio e na minha própria força.
- Cansa ter que corresponder às tuas expectativas.
- Nunca peço nada.
- Antes pedisses.
- Queres que te faça um mapa?
- Era bem preciso, és demasiado complicada.
- Somos todos, a única diferença é que há quem seja coerente com a sua confusão intrínseca.
- Como tu. O cúmulo da puta da coerência...
- Nem por isso. Mas faz-se o que pode.
- Nunca pensas que as tuas verdades brutais e o teu sentido de ética emocional pode ser uma merda para quem está contigo?
- Às vezes dizem-me isso. Mas não sei ser de outra maneira.
- Podias agir mais como mulher.
- Manipuladora, esquemática, aproveitadora e indiferente. É isso que queres dizer?
- Não nesse mau sentido. Mas as mulheres costumam ser menos decididas. É mais fácil lidar com isso do que contigo.
- Amigo. Nunca disse que era fácil lidar comigo.
- Pois não. Mas exiges muito.
- Agora sim, chegamos lá. Porque é que não começaste a conversa por aí?
- Porque não sou igual a ti.
- Só exijo o que estou disposta a dar.
- Foda-se! Ninguém dá o que tu dás, percebe isso de uma vez por todas! Porque é que achas que toda a gente se mantém na tua vida mas nunca contigo?!?!
- ... Bem visto. E ando eu a pagar a um psiquiatra.
- Onde é que vais?
- Para casa.
- Não era isso que queria dizer.
- Talvez não fosse, mas se estás preocupado com problemas de futura compabilidade, talvez seja tempo de eu também pensar neles.
- Não vás.
- Tenho que ir. São os meus absolutos, percebes? Agora quero estar sozinha.
- Mas eu quero estar contigo.
- São as tuas indefinições, percebes?