Mundo cobarde
Nasceste do meu ventre.
Senti-te nascer dentro de mim, presa ao meu corpo e no entanto sempre tão tu. Tão única. És parte de mim neste mundo, fruto do que de melhor soube fazer. Vejo-me nos teus olhos, revejo-me no teu sorriso. Percebi no teu parto um olhar de ser humano que me observa pela primeira vez sabendo de antemão quem fui e quem nunca poderei ser. Trouxe-te a um mundo que jamais alguma de nós compreenderá para que sejas feliz, para que corras na praia, para que ames, para que vivas.
Ser mãe é assumir a inevitabilidade desse amor único. Ver as mãos que crescem, o gosto que nasce, a música que brota. Ver-te adormecer nos meus braços enquanto relatas as fantasias dessa tua imaginação que suplanta até a minha. Ouvir a cantiga desafinada que alguém te ensinou a trautear no infantário. Rir quando apareces na sala com uns collants roxos e um vestido vermelho. Sorrir quando pegas na primeira fatia de bolo de aniversário da tua curta vida e a ofereces à avó que te prometeu que hoje comia doces. Esconder no melhor recanto de mim a euforia de te sentir mulher, pessoa, inteligência e sentimento.
Ser mãe não devia ser ver-te morrer. Assistir impotente à degradação do teu corpo. Sentir a dor de não poder sofrer por ti. Ser mãe é não compreender porque te levam de mim nesta humilhação do ser que desaparece, milimetro a milimetro, grito a grito, químico a químico. Ser mãe é não acreditar que a natureza seja tão cruel que te leve de mim ao invés de me levar de ti.
Perder-te sabendo que apenas viveste. Perder-te porque esse tal de destino assim o quis, perder-te para sempre sem que nenhuma eternidade seja capaz de apagar-te do meu corpo, do meu coração, da minha memória, do meu amor incondicional de mãe.
À E. e à B., em celebração do tempo que já tiveram juntas. Na esperança da coragem futura.
Senti-te nascer dentro de mim, presa ao meu corpo e no entanto sempre tão tu. Tão única. És parte de mim neste mundo, fruto do que de melhor soube fazer. Vejo-me nos teus olhos, revejo-me no teu sorriso. Percebi no teu parto um olhar de ser humano que me observa pela primeira vez sabendo de antemão quem fui e quem nunca poderei ser. Trouxe-te a um mundo que jamais alguma de nós compreenderá para que sejas feliz, para que corras na praia, para que ames, para que vivas.
Ser mãe é assumir a inevitabilidade desse amor único. Ver as mãos que crescem, o gosto que nasce, a música que brota. Ver-te adormecer nos meus braços enquanto relatas as fantasias dessa tua imaginação que suplanta até a minha. Ouvir a cantiga desafinada que alguém te ensinou a trautear no infantário. Rir quando apareces na sala com uns collants roxos e um vestido vermelho. Sorrir quando pegas na primeira fatia de bolo de aniversário da tua curta vida e a ofereces à avó que te prometeu que hoje comia doces. Esconder no melhor recanto de mim a euforia de te sentir mulher, pessoa, inteligência e sentimento.
Ser mãe não devia ser ver-te morrer. Assistir impotente à degradação do teu corpo. Sentir a dor de não poder sofrer por ti. Ser mãe é não compreender porque te levam de mim nesta humilhação do ser que desaparece, milimetro a milimetro, grito a grito, químico a químico. Ser mãe é não acreditar que a natureza seja tão cruel que te leve de mim ao invés de me levar de ti.
Perder-te sabendo que apenas viveste. Perder-te porque esse tal de destino assim o quis, perder-te para sempre sem que nenhuma eternidade seja capaz de apagar-te do meu corpo, do meu coração, da minha memória, do meu amor incondicional de mãe.
À E. e à B., em celebração do tempo que já tiveram juntas. Na esperança da coragem futura.
4 Somethin' Else:
porque é q ng comentou este texto?
Provavelmente porque perante a morte de uma criança às mãos da mais pura arbitrariedade da natureza não haverá muitas palavras que possam ser ditas.
Pois não, M., pois não. O texto é lindo, mas eu fiquei sem palavras. Só um aperto.
Eu sei. A vida mostra-nos coisas que preferia nunca ver. E, pior que tudo, prova-nos que somos miseravelmente impotentes na nossa pequenina humanidade.
Lembro-me sempre da E. e da B. - da mãe e da filha - quando me ouço a queixar do preço dos livros ou da namorada parva do meu melhor amigo. Fica pelo menos essa lição. A dor não tem limite e põe tudo, tudo, tudo em perspectiva.
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