04 maio 2006

"Por favor, matem os nossos filhos!"

Durante 100 dias, no início do ano de 1994, cerca de 800.000 pessoas foram assassinadas no Ruanda. Ninguém pareceu saber de nada. A ONU proibiu, durante semanas, o uso da palavra "genocídio" nas suas conferências de imprensa. Dez anos depois, a 7 de Abril de 2004, celebrou-se o Dia Internacional de Reflexão sobre o Genocídio de 1994 no Ruanda, o Secretário Geral pediu desculpa. E usou a palavra "genocídio".


Financiado pela BBC, Shooting Dogs (Testemunhos de Sangue) é mais do que um filme, é um movimento social. Um projecto conjunto de um grupo de pessoas que não pode deixar esquecer. Sobreviventes do genocídio ruandês fazem parte da equipa técnica do Shooting Dogs. Viveram para contar a história real dos cinco dias que antecederam o massacre brutal que, na Escola Técnica Oficial em Kigali, atingiu as suas famílias e, no fim, despedem-se do auditório com um sorriso que nos ensina a nunca esquecer e a jamais calar.

No filme, uma jornalista (Nicola Walker) explica a razão pela qual se sentiu menos afectada pela brutalidade que vê no Ruanda em comparação com aquela a que assistiu na Bósnia: "That could be my mum. Over here, they're just dead Africans."

No filme, em nome das famílias refugiadas na Escola Técnica Oficial, um pai implora ao comandante das tropas da ONU em fuga que, por piedade, pelo menos mate as suas crianças. Que lhes alivie o sofrimento dos golpes de machete com um simples tiro na cabeça.


Depois do filme, fica a pergunta. O que é que andavamos todos a ver em 1994?

9 Somethin' Else:

Anonymous Anónimo escreveu...

Não sei, mas ontem senti-me profundamente envergonhada por me julgar parte dos países que lutam em prol da paz. Aqueles que não retiram à custa de um protocolo que não salvaguarda ninguém. Que deixa seres humanos ao dispor de um ódio que não conhece limites.

Tão longe que é o Ruanda. E hoje onde estará isto a acontecer enquanto nós fechamos os olhos?


Martini Chic

maio 04, 2006 9:02 da manhã  
Blogger SK escreveu...

Sim, vergonha é a palavra de ordem...
Estou arrepiado. Simplesmente...

maio 04, 2006 9:27 da manhã  
Blogger Navel escreveu...

First time I ever payed attention to Ruanda was in a French class, some years after the fact. Afterwards, as you know, it was my turn to broadcast what was going on in Ruanda, Liberia, Etiopia, South Africa, the north-african countries and their Sharia laws...
It's so easy not to notice what's going on...
After all, we live in the "first" world, surrounded by technology and the false notion that the media will keeps informed. It will not. Most of the african countries do not live by "our rules".
But hope is eternal. More than ashamed, we should be aware.

maio 04, 2006 9:53 da manhã  
Anonymous Anónimo escreveu...

coisas destas acontecerão sempre. por mais pessoas que aprendam com os erros haverá também sempre mais algumas a esquecer...

maio 04, 2006 1:11 da tarde  
Anonymous Anónimo escreveu...

A primeira vez que tive contacto com este acontecimento tragico e brutal foi durante os tempos da faculdade. Depois de algumas pesquisas na biblioteca na tentativa de encontrar um tema para fazer um trabalho, deparei-me com um artigo sobre Ruanda 1994. Foi talvez a primeira vez que li algo sobre o assunto e que me chocou profundamente. Desde ai penso no que podera estar a acontecer hoje, nalguma parte do mundo... nomeadamente TIMOR!

Ainda nao vi este filme, mas recomendo um mais hollywoodesco: Hotel Ruanda!, com uma excelente interpretaçao de Don Cheadle.

maio 04, 2006 6:36 da tarde  
Blogger M. escreveu...

Martini,

A imagem daquele pai desesperado, com uma folha de papel na mão, a pedir ao capacete azul para, se não os podem matar a todos, que pelo menos não partam sem matar as crianças não me sai da cabeça.

Sabes? Por muito voluntariado que faça, por muito que tente lembrar todas as manhãs o mal que há no mundo, por muito queira e sinta, não posso deixar de me envergonhar. Porque sei, em consciência, que África fica lá muito longe.

Por isso deixei aqui o Mutabazi. Para me obrigar a pensar que me bastava ter nascido para lá do Sahara para me arriscar a ter que lutar pela sobrevivência debaixo do sangue corrente dos cadáveres dos meus pais.

Tive vergonha, muita vergonha da ONU. Vergonha de ser branca, rica, nutrida e profundamente egoista. Só porque nasci na metade certa. Na que faz os filhos da puta dos protocolos.


Stephen,

Vai ver o filme, se puderes.

Não é uma obra-prima cinematográfica, mas sei que és o tipo de pessoa a quem o Shooting Dogs, apesar do sofrimento que provoca, vai fazer sentir certo tipo de consciência.


Navel,

We were debating that after the movie. First time we ever heard about it was, at least, 4 or 5 years later, in colege. And, even then, as a sort of random African battle between Hutus and Tutsis.

In that way, you were lucky with your British job.

There isn't much one can do, that is true. But I for one will thrive to never forget Rwanda. The biggest massacre in the XX century since the nazi holocaust.


fl,

E haverá ainda mais a não querer saber. Mas o meu direito de cidadania confere-me também um dever. O de denunciar. O de mostrar, a quem possa também não saber, o que eu antes não sabia.


Lu,

Pensei precisamente em Timor hoje enquanto via a reportagem sobre o Eurico Guterres no telejornal. Quantos mais massacres têm de passar em branco porque as pessoas assassinadas têm a cor de pele errada, nasceram no hemisfério errado, ou falam uma língua que ninguém entende?

O Hotel Ruanda, para mim, é mais filme, tem melhor realização e melhor fotografia. Mas o Shooting Dogs faz algo que eu não estava à espera. Oblitera o Hotel Ruanda. É de uma simplicidade completamente despojada, sem pretensões a documentário, que te envolve e te faz sofrer e chorar o sofrimento e a injustiça que aqueles milhares de pessoas foram obrigados a sofrer.

Se puderes, apesar de doloroso, vai ver. Aí em Lx, sei que pelo menos no Monumental está.

maio 05, 2006 3:12 da manhã  
Blogger Lisa escreveu...

Não sei em que ano foi, mas lembro-me, ainda hoje e vivamente, daquela fotografia que correu mundo e, se a memória não me falha, ganhou diversos prémios: um ruandês (não se de que etnia, ou grupo tribal) com marcas de machete na cara.
Obrigada por lembrares.

maio 05, 2006 9:58 da manhã  
Blogger A escreveu...

Vivemos tão longe e tão perto, ao mesmo tempo... os massacres, as guerras, as teimas, os Ruandas, as Bósnias... tendem a crescer, teimam em não desaparecer e nós, ocidentais... aqui estamos preocupados com o preço dos combustíveis, alienados de tudo, inertes, anestesiados...

Não vi o filme, mas vou ver. Em 1994 devia andar entretida e embrenhada no estudo, na música e no primeiro amor. Não vivemos "protegidos" para sempre...

Bravo, M., por estas chamadas de atenção.

Beijos

maio 05, 2006 6:34 da tarde  
Blogger M. escreveu...

Lisa,

Acho que foi a World Press Photo de 1994.

Eu apercebi-me muito mais tarde. Miseravelmente tarde.


a,

Obrigada.

Mas acho que devemos agradecer. antes de mais, aos produtores deste filme. Esses sim lutam por não deixar esquecer.

maio 08, 2006 4:51 da tarde  

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