31 março 2006

Procura-se (M/F)

Companheiro/a de viagem

Data: Outono de 2006 (a definir de acordo com disponibilidade conjunta dos participantes)
Local: EUdaA, de costa (Este) a costa (Oeste)

Requisitos:
- Boa disposição e bom-humor;
- Espírito de viajante (mente aberta, inquisitivo/a, tolerante, explorador/a);
- Easy-going e low-maintenance;

- Capacidade de gerir imprevistos;
- Saco-cama próprio;

- Resistência física acima da média;

Factores preferenciais:
- Passaporte de leitura óptica e carta de condução norte-americana (internacional poderá ser opção) já tratados;

- Seguro de saúde extensível aos EUdaA;
- Domínio coloquial do inglês e conhecimento mediano da cultura norte-americana;

- Câmara de filmar.


Oferece-se:
- Boa disposição, companhia, sorrisos, desafios e conversas interessantes;

- Conhecimento empírico do terreno nativo a explorar;
- Abundantes contactos de potenciais camas gratuitas;
- Comprovado instinto inacto para encontrar pessoas interessantes, locais deslumbrantes e situações inesquecíveis (alguma dose de perigo incluída, mas contrabalançada com apuradíssimas tácticas de fuga e de gestão de conflitos).


Projecto a desenvolver: Atravessar o sub-continente norte-americano de costa a costa, com início em Atlanta, GA (por questões logísticas e sentimentais, mas com direito a, pelo menos, duas noites de excelente clubing e um dia de turismo surpreendente), e término em Frisco, CA.
O trajecto será definido numa base diária, ao sabor da vontade, do orçamento e do tempo restante.

Os objectivos são, apenas, conhecer a verdadeira América e criar uma colectânea de memórias futuras - um álbum de vida em viagem, se possível, partilhado.
O método a utilizar passa, incontornavelmente, pelo contacto com o maior número possível de locais e pessoas, sempre na perspectiva do participante, numa óptica de caminheiros curiosos e não de peregrinos turistas.
A eficaz concretização deste projecto obriga a longas jornadas de condução, por estradas intermináveis e solitárias em condições climatéricas inesperadas, e a condições de conforto que poderão, por vezes, roçar os limites da civilização.

Os interessados devem enviar resume e carta de motivação para o email do perfil. E poupem-me as comparações com o On the Road e a Route 66. Esta oferta é bem mais original! Garanto. :D

Memória táctil (II)

(...)

Gargalhei com gosto, como cedo aprendi a fazer quando te levas a sério.
"Outro?" pergunto-te com o sorriso garoto de quem se sabe confortável em terrenos escorregadios. É a tua vez de rir. Regressas ao banco, libertas o cinto de segurança e abanas-te contra o encosto. Miras-me de soslaio porque sentes que te fixo.
"Fosse eu outro homem e isso seria muito desconfortável, sabias?"
"Sim, mas tu és um convencido, por isso deixa-te lá de merdas. Já sabes, olhar para ti é o meu desporto favorito."
"Pensei que fosse hóquei..."
Borrifo-te com o sumo azul enquanto reentras no trânsito e partimos em busca de uma Barcelona ainda por descobrir.


"Uma cidade diferente, não te parece?"
"Sim. E fica-te bem."
"Fica-me bem Barcelona?"
"Maravilhosamente."
Levantas-te da areia e estendes-me a mão para que te siga. Está na hora de voltar. Depois da epifania de ontem se ter diluído na troça descontraída com que sempre encaramos os momentos mais pesados, metemo-nos finalmente à cidade e descobrimos uma pensão simpática no Bairro Gótico, pertinho da Praça da Catalunha. Logo do outro lado da rua há um restaurante que deixámos para hoje. Andamos os dois com antojo de quantidades absurdas de tapas e de um excelente par de garrafas de Rioja há meses e por muito bom que seja o Pipa da East 19th nada consegue substituir os cheiros, as texturas, os sabores dos enchidos e dos queijos realmente espanhóis. Quanto mais não seja porque quando são comidos em solo nativo se esmeram para impressionar, arrebitam as suas qualidades, para deleite e deslumbre dos foraneos...
Aterrámos há duas semanas em Lisboa e ainda temos pela frente um mês e meio de sabática conjunta para desfrutar do primeiro regresso emparelhado a terras europeias. O único plano assumido à partida do JFK foi a ausência de planos. Bilhete de ida com regresso agendado, telefonemas às famílias lusas com a promessa de uma surpresa para breve e entrega da prole aos cuidados dos respectivos progenitores foram todos os preparativos que nos permitimos.
Um sentimento de pertença exacerbada aos hábitos e correntes de pensamento europeus foi-se acumulando durante o último ano até percebermos que as raízes profissionais e familiares impunham uma fertilização pessoal para poderem continuar a medrar.
Ambos vivemos nos EUA há demasiado tempo. Regressar à Europa, ou a Portugal, para trabalhar nunca esteve em causa. A opção de vida que assumimos, eu há seis anos e o Afonso há 17, foi consciente e propositada. Mas as infâncias e juventudes passadas entre Portugal e Espanha mantêm-nos dependentes de uma idiossincrasia que Nova Iorque não pode modelar, como se carregássemos connosco, grudados no ventre, resquícios de uma placenta intelectual e afectiva que teima em não cair ainda que não a alimentássemos.
As obrigações do quotidiano, ao fim de uns anos, transformaram-se em rotinas dogmáticas que os afectos familiares e os sucessos profissionais sedimentaram no fundo de um aquário de aceitação em que nos deixámos submergir. E foi no limite dessa apneia voluntária que nos mandámos para a Europa, numa pequena loucura consciente de dois meses, em jeito de lua-de-mel espiritual.
Barcelona foi o óbvio destino, em celebração da partilha das coincidências iniciais que continuam a fazer-nos sorrir, três anos depois do choque em cadeia que cruzou as nossas vidas.

(...)

Vacas em parada

Convivi com a Cow Parade de 2003 e continuo a achar que - este sim - é um verdadeiro happening, ao nível das melhores instalações mundiais. (Bem melhor que uma lâmpada fundida de 100 w presa ao chão de uma sala de 50 m2 por um bloco de ardósia, que foi a último que vi. Argh!)

Para adicionar ao interesse, uma das vacas alfacinhas foi desenhada por um colega... Parabéns, J., depois quero autógrafo no catálogo... ;)

"Make friends" Yeah... Sure!

Durante o mês de Março andei de costas meio voltadas ao maravilhoso velho mundo da ciberesfera. Embora verificando o email com frequência, pouco vi, li ou escrevi. Estou agora a recuperar o ritmo e, durante o processo, acabo de entrar no meu Hi5.

Em 30 dias e de desconhecidos, recebi 48 "friend requests", 10 mensagens e 4 comentários. 62 contactos no total. Sabem quantos são de mulheres?? Pois, exactamente.

Sugiro, a bem da verdade, frontalidade e transparência relacional que caracterizam o ciber espaço (not!), que o Hi5 crie, além do "just look around" e do célebre "make friends", o campo "get laid". Seria bem mais rápido distingui-los a todos uns dos outros [soa tudo ao mesmo ao fim de uns meses] pelos objectivos que exibem nas suas esforçadas apresentações. E bem mais prático ordená-los por prioridades, by the way. :)

Conselho? Amigos, saiam mais. Meia dúzia de linhas e umas quantas fotos não definem ninguém e conhecer gente do sexo que nos agrada vai mais longe do que um "perfil excelente, adiciona-me no messenger para nos conhecermos melhor".

Querem-me conhecer melhor?! Café Lusitano às quintas, Maus Hábitos às sextas, Estado Novo aos sábados, frizbee aos domingos. Ou quê? Têm medo de que eu perceba que ao vivo e cores não valem lá grande coisa? Que descubra a halitose, a burrice envernizada ou os pneus incipientes?? É dos diabos fazer a realidade corresponder à trabalhosa contrução, não é?!?

É tudo uma questão de expectativas. Do couro que estão dispostos a dar para receber o que acham que merecem. Mais nada. O email está no perfil.

Absolut Turn-Offs II

"Não, não li. Mas vi o filme."

QotD

Accoutumé à l'adversité, ne nous laissons pas abattre par une déception; ou sans cela ce serait donc pour rien que j'aurais souffert! Le coeur se brise, lorsque après avoir été dilaté outre mesure par l'espérance à la tiède haleine il rentre et se renferme dans la froide réalité! (Edmond Dantès)

30 março 2006

Pareço um puto com um Lego novo!!

Recomendaram-me! Alguém, que não conheço (colaborei com o DN, mas foi há quatro anos atrás e na delegação do Porto) e que não sei como cá chegou, teve a amabilidade de dizer que o Blue Notes "justifica leitura demorada". :D

Perdoem-me a auto-complacência, mas é o meu primeiro contacto com o apreço alheio desconhecido. Não repito, garanto. Doravante serei uma boa portuguesa timidamente recolhida no seu pudoroso recato pelo reconhecimento externo da sua variável qualidade. :P

[Não é que a recomendação de desconhecidos seja mais valiosa do que a daqueles que fazem parte das minhas esferas de vida. Mas é que... Não me conhecem, percebem?? Não dizem bem porque têm algum tipo de empatia com o que aqui me apresento. Dizem porque gostaram das palavras. Cruas. Que valem por si, em solidão. E isso é ... o kit de divórcio da Barbie, caramba! :P ]

Vénia!

Pública.

Pelas palavras e pelos imerecidos elogios que cá foram deixando durante a minha ausência e que apenas agora pude comentar. Fizeram-me sentir que, ao entrar de novo no Blue Notes, tinha regressado à minha segunda casa.

28 março 2006

Sorriso

As faces de estranhos trazem consigo pedaços de mundos que nos passam de raspão. Que achamos intuir, que gostamos de imaginar. As mais das vezes nunca sabemos se as vidas que conjuramos para as caras expressivas com que nos cruzamos são, de alguma forma, reais. Mas, com alguma dose de boa fortuna à mistura, as almas escondidas devolvem-nos os olhares e entram dentro da nossa bola de sabão.

Está frio. Parou de chover, mas o frio mantém-se. É um frio diferente daquele a que a proximidade do mar me habituou. É mais seco, mais tolerável. Quase agradável. A pedra maciça onde estou sentada não ajuda a aquecer e sinto as coxas arrefecerem através do tecido frágil das calças. O dia começou a declinar, mas a luz ainda me deixa ler. O sol é que já não aparece nas águas do rio que se embala ao sabor os barcos de passeio.

Comprei, numa ruazinha escondida por onde passeava na terça-feira, fazendo tempo para o debate, uma bolsa colorida tricotada para usar a tiracolo. Foi de lá que tirei as 900 páginas de livro que tenho no colo. E a máquina fotográfica. Mas a cidade nunca aparece no ecrã como a vejo. É esse o mal das fotografias; redutoras, sempre. Sem cheiro, sem vento, sem pele morna.

Levanto os pés da vertente sobranceira ao rio e rodo sobre mim para encarar os jardins. Estendo-me sobre o lado esquerdo com dois pensamentos concorrentes. Primeiro que estou dorida e por isso devo perguntar ao meu amável anfitrião onde fica o ginásio mais próximo. Depois, que abençoadas que são as cidades suficientemente miscigenadas e ampliadas para ignorarem mulheres sozinhas deitadas em beirais de rios com livros pesados nas mãos e olhares curiosos nos rostos.

Abro o livro com um movimento instintivo dos dedos que sabem onde está o marcador (desta vez um fósforo) e, assim, deixam os olhos livres para passear pelo exterior um pouco mais. Do outro lado da tira de terra batida que antecede o jardim há um banco de madeira, mesmo na margem da propositada floresta, com os vermelhos pés curvados a tocarem a relva.

Há um homem sentado nesse banco, que olha para o rio como se procurasse uma resposta universal às várias angústias da Humanidade. Fecho o livro sem o fósforo e procuro o caderno e a esferográfica com os gestos trapalhões de quem acaba de perder o equilíbrio porque o pé esquerdo resvalou para o lado vazio de apoios do rio.

Chama-se David. Soube ontem que a mulher com quem viveu nos últimos seis anos espera um filho. Supõe que seu. Acabou de receber, na tradicional volta do correio, o anúncio oficial de que a candidatura feita em Outubro passado ao Insead foi aprovada. Para o pólo do Japão. É essa carta que lhe espreita, razoavelmente amachucada, do bolso superior do blazer. O cabelo cor de mel, mais comprido do que se suporia num aparente homem de carreira avançado nos trinta, está revolvido e não é artisticamente. Estendeu os braços a todo o comprimento do banco e tem as mãos flectidas no sentido do solo, a envolverem as curvas terminais do encosto, o que faz pensar que será bastante alto. A beleza da proporção de Da Vinci. As pernas estendem-se, com um leve ângulo nos joelhos, à sua frente e a forma como as calças foram subidas antes de se sentar deixa entrever um tornozelo classicamente vestido.

Já eu vou na terceira folha e o David na boca do metro quando volto a cabeça para o banco novamente. Preciso de tentar ver se o meu original traz aliança. Mas o meu original voou. O banco está vazio. Granjo os dentes irritada com a minha estupidez em não ter aproveitado o período de observação antes de me precipitar a arranhar o papel. Agora vai ser mais difícil, o David vai sair forçado, hesitante, pouco convincente. Se pelo menos tivesse visto a aliança e a cor dos olhos... Atiro com o livro de notas para dentro da bolsa e inclino-me para apanhar o desgraçado do Conde de Monte Cristo que entretanto tinha aterrado de lombada para cima no areão.

"Se não tens cuidado, é desta que cais ao rio."

Pés calçados com meio salto próprio para o jantar desta noite pendentes em cima do rio, tronco apoiado na pedra, mão esquerda no saco e braço direito estendido para o tijolo que ando a ler. Não é uma boa posição. Mas o personagem já foi arruinado e já, não tenho nada a perder. Torço o pescoço para a esquerda e com o cabelo a cobrir-me parte da visão respondo "Se cair a culpa é tua, se não te tivesses levantado eu não estava aqui toda torcida a oferecer-te esse sorriso que tens na cara".

O sorriso vira gargalhada. "Então ainda bem que o fiz, porque além de estares muito cómica tens uma pronúncia muito engraçada."

Desisto de vez do David e da sua aventura emocional transcontinental, à força de golpe de rins recupero posição de gente civilizada e apanho o Conde empoirado do chão. É a minha vez de sorrir. É mais alto do que tinha assumido no moleskine. "Atravessas a ponte comigo para um copo de bom vinho espanhol e conto-te o livro que acabaste de me arruinar?"

E lá está o sorriso. Desta vez, do lado de cá da imaginação.

Big fat smile II

QotD

Ser tocado! Acaso sabem vocês o que é ser tocado por um ser humano? (Anaïs Nin)

21 março 2006

La poésie et les poètes

À propos de la journée mondiale qu'on célèbre aujourd'hui, il y a un débat très intéressant au salon du livre de Paris.

C'est ça, ce qu'on écrit dans ces petits tableaux, littérature? Prose, poésie? Ou seulement des pensées faites au hasard?? :)

Gros bisoux et à bientôt! (hm... ou non! ;) )



17 março 2006

Os nossos mortos caminham connosco

Passamos pela vida a velocidade constante. De cruzeiro. Mas alguns, por defeito ou feitio, decidem acelerar. Correr ao invés de caminhar. Alguns de nós optam por seguir em frente cada vez mais rápido. Escolhem a fuga para a frente. Preferem encetar caminhos novos, sempre, estradas virgens, sempre, voos inexplorados, para sempre.

Quando disparamos pela vida fora, há algo de nosso que fica para trás. Essa massa compacta que constitui o nosso passado segue connosco. Os nossos vivos - os amigos, a família, os amantes - continuam diluídos na massa do sangue, impregnados nas moléculas. Mas os nossos mortos, os nossos mortos ficam para trás porque mantêm, toda a vida, a mesma velocidade. É apenas quando paramos, quando assentamos pés no nosso novo destino, que eles nos alcançam e se nos reúnem novamente.

Os nossos mortos são a poeira de estrelas que segue no nosso encalço, eternamente aguardando novo abrandamento para pacientemente se reaproximarem e uma vez mais tocarem a nossa vida nessa elipse perene.

Tudo é, apenas, uma grande perseguição. Uma gigantesca fuga ao tecido morto que não queremos admitir que carregamos na nossa esteira. Inventamos significados para a vida, sem perceber que a existência é, per si, um signo próprio. Sem perceber que são os nossos mortos que dão sentido à nossa vida.

É por encontrar nesta ausência de fio de prumo o único sentido obrigatório da vida que me recuso a parar. Que vejo em cada caminho por trilhar um novo desafio a abraçar. É por me sentir em casa neste gigantesco espaço vago e branco, sem regras nem pressupostos, que exijo tanto. De mim e de todos. Que me liberto tão facilmente de quem prova não ser capaz e abraço tão desenfreadamente quem me mostra que pode cá estar.

Tenho apenas uma vida para viver. Apenas umas dezenas de anos para fazer deste corpo e de tudo o que o habita o melhor que seja capaz. É muito pouco tempo e poucos terão a inevitabilidade da morte tão certa como eu. Desde tão cedo como eu. É meu dever fazer de cada instante de partilha, de cada metro de viagem, de cada medida de ar uma vivência plena. É meu dever fazer sorrir todos os que escolho manter na minha vida e exigir-lhes que me devolvam a transcendental alegria da partilha.



Oito dias. Mil e trezentos quilómetros. Seis cidades. Nove amigos e incontáveis conhecidos. Várias camas e mesas até agora desconhecidas. Sorrisos sem conta, lágrimas enumeradas. 256 mb de fotografias, dois bilhetes de cinema, um copo roubado, dois moleskines amachucados, uma peça de roupa interior alheia, quatro livros insuspeitados; tudo cai sobre a mesa numa amálgama de significados profundos. Densos. A saúde - a física, aquela que se mede nos exames - nem por isso melhorou. Mas a intuição que me guia pela vida ficou mais nítida.


Parto novamente daqui a umas horas. Com novo sorriso no saco, mais caras, génios e corações sob a forma de números de telefone na mala, e as linhas da minha nova tatuagem a desenharem-se num espaço em branco, ao lado daquele que já está ocupado pela certeza da próxima área de pele a gravar.

Obrigada Navel, Filipe, "Presidente" [;)] e Coroneu pelo espaço que ocupam há anos nesta vida. Obrigada Nuno e Lisa pelo lugar que me têm guardado nos vossos dias.

13 março 2006

Fraternidade?

Tinha-me esquecido de como Portugal é pequeno. Tinha-me esquecido como em meia dúzia de horas se corre de ponta-a-ponta. Tinha-me esquecido como são mínimas as mentalidades, atrasados os preconceitos, vulgares os pensamentos.

Portugal é um país velho. Bonitinho e simpático, mas ainda demasiado do Restelo. Com gente - jovem ou nem por isso - presa a dados adquiridos, a heranças de quintos-impérios, sebastianismos e ditaduras tardias.

Nasci cá. Portugal é, de alguma forma, a minha família. A tal que não se escolhe e à qual nos une certo sentimento fraterno. Mas nada mais.

(De regresso ao Burgo velho na próxima Quinta-Feira, para uma noite de intervalo.)

09 março 2006

Viagens

Dizia
que viajar é poder partir-se para o lugar
em frente,
que cada lugar só impressiona porque sugere
a visibilidade do próximo.
E que no fim, quando abandonamos tudo
e já não ouvimos senão o repique dos sinos,
as paisagens deixam de existir para não
passar do que a respiração liberta.
O que nos conduz é podermos sepultar o
corpo noutro lugar;
porque em todos os sítios passados deixámos o corpo
à vista do lugar mais próximo.

Rui Coias, in 'A Função do Geógrafo'


Vou estar ausente destas minhas paredes por uns tempos. Vão recomeçar - finalmente! - as minhas viagens. Quem me conhece sabe que mais de 21 dias consecutivos calcorreando as mesmas pedras contraria a minha natureza. :) Assim, pés na estrada e cabeça no ar, regresso aos itinerários desconhecidos deste mundo e do outro. Entre 17 e 28 não estou em solo nacional (não me telefonem a não ser que já tenham féretro encomendado). Até lá vou andar por aí, ao sabor da vontade, dos humores do smartmobile e da disponibilidade das camas alheias. Havendo wifi haverá blog. Na sua ausência, abandalhem se quiserem, mas façam-no com classe... ;)


Ir...

Esta é a hora
em que a existência se constrói nos passos
de um deus que chega para me levar nos braços.

Esta é a hora
do espinho arrancar do pensamento.
Partir, nos rios nas aves ou no vento.

Natália Correia, Inéditos (1976/79)


Ser mulher


Sei o que sou. O que sinto. Sei as entranhas que tenho, as que exponho e as que guardo. Sei o que amo, o que odeio. Sei a minha beleza, os meus propósitos. Sei o que posso ser. Sei que sou mulher. Ignoro o que é ser mulher. É, simplesmente, o que sou: uma mulher dentro de outra eternamente, num longo cortejo, dividindo-me o pensamento em fragmentos, em quartos de tom que nenhuma batuta de orquestra pode voltar a reunir. Como coisa estranha... Anaïs Nin, in 'A Casa do Incesto'.

O dia que agora acaba trouxe sms, emails e postais, de mulheres e de homens, em celebração daquilo que sou. Trouxe um jantar inesquecível e uma caixa dos melhores bombons do mundo - da Arcádia, claro está. O dia que agora acaba celebra algo que sou todos os dias de todos os anos. Intricadamente mulher. Apenas isso.

Ilustração do incomparável Gigger.

IRS

Lembrem-se de que podem ajudar uma instituição de solidariedade cujo trabalho admirem quando entregarem o vosso modelo 3.

Basta referir o nome e o NIPC da instituição que quiserem apoiar (Anexo H, Quadro 9, Campo 901) e 0,5 porcento dos impostos devidos ao Estado é entregue à entidade que escolheram.

Gentilmente recordado pelo Coroneu.



nihon ni kaerimasu

É com prazer e uma elevada dose de orgulho contacteante que anuncio esta exposição de fotografia. Da autoria de Rui Gonçalves, o já mítico ;) autor das Crónicas da (e depois da) Califórnia, a mostra reúne as imagens recolhidas pelo autor em duas temporadas de trabalho passadas no Japão, no ano de 2003.

"Esta exposição tenta enquadrar as fotografias que fui tirando com alguns textos que fui escrevendo e mandando aos meus amigos, descrevendo as aventuras, desventuras, surpresas e experiências que fui absorvendo por lá."

Fica o convite: "Espero que gostem e que apareçam, a 10 de Março, para uma conversa e um Sakê."

A exposição nihon ni kaerimasu inaugura a 10 de Março e está patente até 7 de Abril na livraria aveirense O Navio de Espelhos.

Foto e respectivos direitos pertencem, obviamente, a Rui Gonçalves.

08 março 2006

Prémio: O melhor postal do ano

QotD


Every man has his own destiny: the only imperative is to follow it, to accept it, no matter where it leads him. (Henry Miller)

07 março 2006

A coisa como ela deve ser feita

Matemática pura entra no jogo de basquetebol

A equipa de basquetebol do F.C. Porto vai recorrer à matemática pura para aumentar as informações disponíveis para o treinador Luís Magalhães e proporcionar aos jogadores mais detalhes sobre a optimização de determinados aspectos do jogo.

Com esta parceira com o Departamento de Matemática Pura da Faculdade de Ciências da Universidade do Porto, o clube pretende produzir mais conhecimento sobre a modalidade, estando igualmente prevista a elaboração de uma tese de mestrado sobre a temática.

Os responsáveis do F. C. Porto acreditam que a iniciativa é uma "mais-valia" no sucesso de um mundo competitivo como é, desportivamente, o basquetebol.

A ideia vai ser apresentada na quarta-feira e contará com um conjunto de iniciativas que pretendem demonstrar a solidez do projecto.

(JN, 5 de Março de 2006)


Sabem qual foi o método de treino de Lance Armstrong para os Tours que venceu? Conhecem as tácticas de preparação física das equipas olímpicas dos Estados Unidos? Pois. Os sucessos por inspiração são cada vez mais raros; veja-se o estado do desporto em Portugal. O jeitinho natural não chega para apurar a técnica.

O desporto é uma ciência. O de alta competição ainda mais. Talvez esteja na altura de pensar mais as formas de treino nacionais. Talvez tenha chegado o tempo de estudar o desporto.

DotD

Quem é o cavalheiro que se senta ao lado de Adrianse no banco do FC Porto?

Eros et Agape

Bento XVI publicou sua primeira encíclica (carta de âmbito universal que o Papa envia a todas as igrejas em comunhão com Roma) no dia 25 de Janeiro. Chama-se Deus caritas est (Deus é amor) e organiza-se em duas partes: na primeira, mais teórica, Bento unifica os conceitos de Eros (amor entre homem e mulher) e Agape (a caridade, o amor que se doa ao outro); na segunda, o Papa centra-se na acção caritativa da igreja, que mais do que uma forma de “assistência social”, deve ser uma parte essencial da sua natureza.

Abrindo o pontificado de Bento XVI está pois a ideia de que “num mundo em que ao nome de Deus se associa, às vezes, a vingança ou mesmo o dever do ódio e da violência”, falar de Deus como amor “é uma mensagem de grande actualidade e de significado muito concreto”. Até aqui, tudo bem, haja liberdade de culto e tal e tal e tal.

Confesso que saber que um Papa da igreja romana andava a falar de Eros me despertou a curiosidade e, como só começo o italiano no Outono e latim é só com recurso ao meu dicionário-humano (obrigada, S.!, bendita FD UC), fui à procura da tradução da dita Deus caritas est. Para Bento XVI o amor está banalizado, é usado por tudo e por nada, é mais uma caricatura (má escolha de palavras) do que verdadeiro amor. Por isso, defende na encíclica que é preciso regressar “ao amor com que Deus nos cumula e que deve ser comunicado aos outros”.

Ou seja. Falando de católicos, a ideia é a de que Eros, passando por um caminho de “purificação”, desemboca na Agape, no amor que renuncia a si mesmo, em favor do outro. Neste contexto, a relação entre homem e mulher é o “arquétipo” do amor, sendo que o ser humano passa “do amor indeterminado e ainda em fase de procura” para “a descoberta do outro” e que, dessa evolução do amor, faz parte que ele procure um “carácter definitivo”: “no sentido da exclusividade e no sentido de ser para sempre”.

A segunda parte da encíclipa, por mim, é pacífica. Basicamente (muito basicamente) afirma e defende que “Toda a actividade da igreja é manifestação dum amor que procura o bem integral do homem”. Admirável e meritório, eu tenho o mesmíssimo objectivo, mas uso ferramentas diferentes. Acho óptimo. :)

O que me despertou a atenção foi a suave e académica inversão de marcha que a primeira directiva comunitária ;) do novo Papa vem confirmar. Bento XVI é um reconhecido nazi ecuménico, responsável pelas sustentações teórico-teológicas do Vaticano nos últimos 20 anos. Quando foi eleito (ou o que quer que seja que aquilo é), muito se escreveu acerca da probabilidade de a igreja católica estar a recuar no tempo, elegendo um conservador para suceder ao reformador João Paulo. Entretanto, a modorra instala-se e a igreja de Roma mantém-se discreta - inclusivamente durante toda a celeuma das caricaturas nórdicas: curioso, não??

Na primeira vez que se pronuncia de forma estruturada, Bento XVI prova a sua superior inteligência como gestor da fé e da política católicas - apela ao reavivar do sacramento do matrimónio, incita à monogamia e mostra-se detrator do divórcio. Não posso criticar nenhuma das posições: não seria o Mundo Mundo se Roma não defendesse estes três paradigmas. O que me revolta as entranhas é a táctica cobarde de contornar as questões e não dar o corpinho ao manifesto. Contracepção? Esqueçam. Concubinagem? Nem pensem nisso. Erros de escolha? Não se admitem.

Aliás, apenas umas duas semanas depois da publicação da Deus caritas est, um bispo brasileiro veio a público condenar as autoridades sanitárias por distribuírem preservativos à população nos dias que antecederam o Carnaval. Ora, todos nós sabemos que celibato e Carnaval-no-Brasil são dois conceitos compatibilíssimos. Pior. O dito padre afirmou a um jornal local que, embora as pessoas achem radical a posição da igreja, esta não se trata de uma imposição, mas sim de uma decisão pessoal. Ó meus amigos! Haja coerência! Em que é que ficamos??

Bento, amigo... A malta tem sexo. (Ia dizer que a malta fode, mas pareceu-me um bocado bruto para o contexto.) A promiscuidade é boa? Não. A ausência de amor na relação carnal é o ideal? Não. Mas é o mundo que temos e no qual vivemos. Não se apoie, mas aceite-se. Cresçam para lá das paredes da Cidade de Pedro e comecem a prática da caridade pela defesa e protecção dos vossos fiéis: ensinem-nos a ser monogâmicos, mas usem essa magnífica capacidade católica de absolver os pecados para lhes permitir que vivam no mundo real. A ver se começa a haver mais católicos "praticantes"...

QotD

Everybody has the right to be stupid, but some people abuse this right. (Stalin)

06 março 2006

Leis da vida

Lei # 1 - O arrependimento chega sempre demasiado tarde.

Big fat smile I

Nem todos têm

A propósito da Corrida da Mulher, que teve lugar ontem, no Porto, ficou prometida uma breve nota sobre solidariedade.

Habituei-me ao voluntariado nos Estados Unidos. Não numa perspectiva de dádiva superior, como é, demasiadas vezes, encarado em Portugal. Do ponto de vista da responsabilidade social. Com a evolução histórica, as sociedades ocidentais caminham - incontornavelmente - no sentido de um maior individualismo e de uma consequente solidão.

Por terras lusas e latinas em geral, a entidade familiar vai continuando a suportar, melhor ou pior, a maioria das necessidades efectivas e afectivas. Mas em países de cultura mais anglo-saxónica ou eslava (que tantas vezes encaramos como percursores de civilização a mimetizar), o dito tecido social estrutura-se muito mais em torno da responsabilidade individual colectiva. Não da desresponsabilização do "o Estado cuida", nem do "é para isso que pago impostos ao governo". Noutras sociedades, a via pública está limpa porque, não pertencendo a ninguém, é de todos.

É deste ponto que parte igualmente a consciência de que a doação do nosso tempo e do nosso esforço em prol da comunidade é um dever social. Foi um conceito que, confesso, abracei com prazer.

Temos, todos, vidas agitadas. Poucos mais do que eu, asseguro-vos. Não estando em férias forçadas :S, entre 9/10 horas de trabalho diário, cinco dias por semana, e os muitos vícios dos quais não abdico e que me forçam a criar espaço para o ginásio, a piscina, os amigos, os amores, os filmes, os livros, a escrita, a música, o teatro, o telefone, a cozinha, ... não sobram muitas horas úteis, até porque ainda não consigo dormir menos de seis horas por noite. Mas desde que regressei a Portugal, nunca deixei de ter tempo para dar.

Há alternativas perfeitamente viáveis, basta que haja vontade e espírito. Entenda-se que o voluntariado não é uma obrigação. Não se é pior pessoa por não o fazer, nem um santo por o praticar. Ser voluntário é, como nos diziam na catequese, uma vocação (e eu sou ateia, logo, isenta ;) ). Que tem tanto de espiritual como de pragmático. Voluntariar um par de braços e um cérebro é uma vontade que nasce em nós de devolver à comunidade uma parte de tudo aquilo a que temos direito. Pela simples consciência de que nem todos o têm. Dois exemplos que conheço e posso recomendar:

Online volunteering
Iniciativa da ONU que congrega, numa comunidade de voluntários online, um conjunto de pessoas dispostas a, sem sair de casa, ajudar organizações que actuam nos países em desenvolvimento através da tradução de documentos, da redacção de artigos, da pesquisa de informação, da construção de websites, do apoio a outros voluntários, da criação de logótipos, etc.

Cada voluntário, ao registar-se no site, escolhe o número de horas de que pode dispôr por semana e selecciona os projectos em curso com os quais deseja colaborar. Uns tempos depois é contactado pela entidade responsável pela tarefa que seleccionou e, caso esteja disponível para o cumprir, recebe todas as instruções e materiais por email. Simples.

Cruz Vermelha Portuguesa
A CV é a maior organização mundial de voluntários. Tem mais 140 anos de existência. Por cá, organiza-se em três corpos: o Corpo Geral, o Voluntariado Jovem e o Corpo de Socorrismo. Cobre todo o território nacional e tem Delegações e Núcleos provavelmente muito mais perto de vossa casa do que julgam. Cada um organiza-se de acordo com as necessidades da comunidade em que se insere.

Posso dizer-vos que o núcleo do Porto, aquele que conheço por dentro, tem um planeamento de actividades anual que prevê as acções calendarizáveis e que vai ajustando a sua actividade à medida das necessidades da comunidade e das sugestões dos voluntários. Reunimo-nos todas as primeiras Segundas-Feiras de cada mês, à noite, depois dos dias de trabalho de todos, para definir a nossa disponibilidade para as iniciativas previstas. Quem pode ficar no próximo fim-de-semana de serviço na venda de roupa, quem pode acompanhar a carrinha na ronda dos sem-abrigo, quem pode ajudar na campanha de doação de sangue, quem trouxe novas ideias, novas necessidades, novos projectos. Por aí fora.

A Cruz Vermelha é uma estrutura terrivelmente bem organizada e, ainda assim, extraordinariamente flexível. Internacional, actua todavia ao nível da rua onde vivo. Para quem tem estofo e condição física, dá curso profissionais de socorrismo. O próximo começa em Setembro e vão-me encontrar por lá.

Se acharem que têm um par de horas por semana que podem oferecer a quem a vida não deu a oportunidade de estar, neste instante, com os olhos colados num ecrã de computador, aquecido por roupa confortável e com comida ao alcance da carteira, passem por um destes dois espaços. Sem compromissos e sem falsas bondades. Um par de braços e um cérebro chegam para merecer um sorriso de quem agradece o vosso tempo. :)

QotD

Sometimes you've got to run away to see if they will follow. (Manfield Park)

And the Oscars went to...

Só para matar saudades dos tempos em que dava notícias de última hora... ;)

Melhor actor secundário - George Clooney em “Syriana”

Melhores efeitos especiais - Joe Letteri, Brian Van’t Hul, Christian Rivers e Richard Taylor por "King Kong"
Melhor filme de animação - “Wallace & Gromit in the Curse of the Were-Rabbit” de Nick Park e Steve Box
Melhor curta-metragem - “Six Shooter” de Martin McDonagh
Melhor curta-metragem (animação) - “The Moon and the Son: An Imagined Conversation” de John Canemaker e Peggy Stern
Melhor guarda-roupa - Colleen Atwood por “Memoirs of a Geisha”
Melhor caracterização - Howard Berger e Tami Lane por “The Chronicles of Narnia: The Lion, the Witch and the Wardrobe”

Melhor actriz secundária - Rachel Weisz em “The Constant Gardener”
Melhor curta-metragem (documentário) - “A Note of Triumph: The Golden Age of Norman Corwin” de Corinne Marrinan e Eric Simonson

Melhor documentário - “March of the Penguins” de Luc Jacquet e Yves Darondeau
Melhor direcção artística - John Myhre (decoração de cenário por Gretchen Rau) por “Memoirs of a Geisha”
Melhor banda sonora original - “Brokeback Mountain” de Gustavo Santaolalla
Melhor mistura de som - Christopher Boyes, Michael Semanick, Michael Hedges e Hammond Peek por “King Kong”

Óscar honorário (prémio carreira) - Robert Altman
Melhor canção original - “It’s Hard Out Here for a Pimp” de “Hustle & Flow”
Melhor edição de som - Mike Hopkins e Ethan Van der Ryn por “King Kong”
Melhor filme estrangeiro - “Tsotsi”, África do Sul
Melhor montagem - Hughes Winborne por “Crash"
Melhor actor - Philip Seymour Hoffman em “Capote”

Melhor fotografia - Dion Beebe por “Memoirs of a Geisha”
Melhor actriz - Reese Witherspoon em “Walk the Line”
Melhor argumento adaptado - Larry McMurtry e Diana Ossana por “Brokeback Mountain”
Melhor argumento original - Paul Haggis e Bobby Moresco por “Crash”
Melhor realizador - Ang Lee por “Brokeback Mountain”
Melhor filme - “Crash” de Paul Haggis e Cathy Schulman

Só duas palavrinhas em jeito de comentário... "Crash" foi a merecidíssima surpresa da noite. O Jon Stewart não desiludiu, se bem que também não tenha surpreendido.
Discursos de aceitação polémicos não houve. O "The Constant Gardener" merecia melhores Óscares. A Dolly Parton é uma aberração da natureza que desafia umas três leis da física. E não é um ano de nomeações pseudo-politicamente-incorrectas que lava a imagem de Hollywood enquanto antro de lobbies auto-complacentes.

Agora desculpem-me, mas tenho uma cama quentinha à minha espera. :)

05 março 2006

Óscares bem entregues

A Academia de Artes e Ciências do Cinema decidiu - finalmente! - entregar a apresentação da cerimónia de atribuição dos Óscares a um profissional.

Jon Stewart é apenas o mais brilhante apresentador norte-americano das últimas décadas. Responsável pelo The Daily Show da Comedy Central [transmitido em Portugal pela SIC Radical e pela CNN International], Stewart é um assumido anti-establishment men.


Embora não se espere que vá ao ponto de ofender os anfitriões, é ponto assente que Jon Stewart vai elevar o tom da cerimónia desta madrugada. Mais uma razão para sintonizar a TVI entre a 1h e as 4h. Só se lamenta a manutenção dos comentadores nacionais - seria preferível que se limitassem a abrir o sinal directo para o Kodak Theatre, sem interferências de pobre qualidade.

Memória, esse lugar estranho

Lembro-me da tua pele. Do sabor que tem, das irregularidades que sinto debaixo da polpa dos meus dedos, do cheiro que liberta ao acordar.
Lembro-me do teu sorriso. De como ergues a sobrancelha direita em sinal de troça.
Lembro-me do grave da tua voz. Da projecção que lhe dás quando estamos bêbados a recitar poesia de pé no sofá.
Lembro-me dos teus dedos. Da forma como seguram a guitarra e percorrem as cordas recriando o Major Tom.
Lembro-me do teu cabelo. Do redemoinho teimoso que te encima a fronte e que nunca consegui domar à força de gel.
Lembro-me da tua força. De como me passas o braço por trás das costas e com um único gesto seguro me rodas no ar para me pôr em cima de ti.
Lembro-me da tua espontaneidade. Do jantar em que trepaste da cadeira para a mesa e começaste a cantar o hino francês.
Lembro-me do teu saber. De como me deixas fascinada ao pegar numa frase minha e mostrar-me como afinal sei tão pouco.
Lembro-me da tua frontalidade. Das frases lapidares que me atiras à queima-roupa como verdades prontas-a-usar.
Lembro-me dos teus hábitos. De como voltas sempre atrás para verificar todas as portas do carro, do cabide onde penduras a trela do cão, do ritual mochila-carteira-chaves que antece a saída de casa.
Lembro-me do teu abraço. Do alívio que é saber que no meio do casulo dos teus braços posso relaxar, ceder, suspirar enfim.
Lembro-me do teu calor. De como me empurro contra ti no Inverno e te toco apenas com o pé esquerdo no Verão.
Lembro-me da tua camisola. Da gargalhada que é ir correr para o parque com um homem feito que diz ao peito «I put the "sexy" in dyslexia».
Lembro-me dos teus brinquedos. Das orelhas do Shreck, da miniatura do Batman, do boneco articulado do Tony Hawk.
Lembro-me do teu toque. De como a tua mão rodeia quase metade da minha cabeça, com os dedos enrolados no meu cabelo.
Lembro-me da tua vaidade. De como voltas sempre ao espelho da casa de banho para uma última mirada.
Lembro-me do teu carro. Do cheiro do ambientador e das revistas espalhadas no banco de trás.
Lembro-me da tua presença. Dos olhares invejosos que me lançam quando entro contigo num restaurante ou numa discoteca.
Lembro-me dos teus cozinhados. Do bife com canela e do monstro branco que acabou no jardim do vizinho e que nem o cão comeu.
Lembro-me dos teus ciúmes. Do posicionamento estratégico entre o meu corpo e um hipotético olhar que vais buscar ao arco-da-velha.
Lembro-me da tua cama. Do toque dos lençóis, do cheiro que deixam os nossos corpos, dos locais exactos onde estão os nossos moldes, da distância a que está a mesinha de cabeceira e que me permite apanhar o copo de água mesmo às escuras, das tuas lentes de contacto que secam esquecidas em cima da revista de BD, da estação de rádio que nos desperta todas as manhãs, do teu olhar transparente que me fita sério quando acordo.


Lembro-me de todos os homens que passaram pela minha vida, como se fossem apenas um. Lembro-me de todos os nomes, de todos os momentos, de todos os gestos característicos. Dos livros que liam, da música que punham no carro, dos diminutivos por que me chamavam em público e na cama. Lembro-me de todas as barbas, de todas as unhas, de todas as orelhas. Dos jantares, dos presentes que ofereci, dos sorrisos que recebi. Lembro-me de todas as curvas dos narizes, de todos os contornos dos glúteos, de todas as linhas dos maxilares. Das formas como beijavam, da firmeza ou da doçura dos toques, dos tipos de lágrimas que choravam.

Por vezes acredito que a memória é um terrível algoz. Mas depois lembro-me. Sorrio e lembro-me. E passo ao papel todas as memórias, para que nunca me fujam. Para nunca perder nenhum amor, nenhum amante.


04 março 2006

QotD

I don't understand why I'm not dead.
When your heart breaks, you should die.
But there's still the rest of you.
There's your breasts and your genitals...
They're amazingly stupid, like babies, or faithful dogs.
They don't get it, they just want him. Want him.

(Harper Pitt)


02 março 2006

QotD

A paz, se possível, mas a verdade, a qualquer preço. (Lutero)

01 março 2006

Hoy, por la noche...

... hay milonga en el Café Lusitano.

Os veo por allí? :)

A transcendência do corpo humano

Amelia é uma homenagem à vida. Ao poder do corpo, à beleza do movimento, à vibração muscular do sentimento. Da autoria de Édouard Lock, Amelia é um dos melhores bailados contemporâneos jamais criados e interpretados. Levado aos palcos e à tela pela La La La Human Steps, de Montreal, foi exibido no passado Domingo pela :2, provando que, 26 anos depois do seu nascimento, mantém um poder de sedução avassalador.

Além da BSO - para violino, piano e voz - Amelia incorpora cinco dos temas mais famosos de Lou Reed, criados para os Velvet Underground, e é ao som desta simbiose acústica que os corpos afirmam o indizível.

Originalidade, visão, estrutura. Um espectáculo ímpar, onde os movimentos perfeitos de corpos exímios cortam a respiração ao sabor da corporização do erotismo, da paixão, da tristeza, do amor. Arrebatador! Para ver e rever. A dois, pelo urro de paixão que desperta.







QotD

This above all: to thine own self be true; And it must follow, as the night the day; Thou canst not then be false to any man. (William Shakespeare )