Hospitais públicos - Guia de sobrevivência
1 - A entrada de ambulâncias nas urgências é só para ambulâncias. Se lá forem parar de carro, sejam cidadãos civilizados e estacionem no parque do hospital (a 300m) e depois caminhem para a entrada pedonal. Se não o fizerem, os senhores bombeiros gritam convosco e acusam-vos de irresponsabilidade social naquela linguagem colorida que caracteriza os homens de barba rija deste nosso país.
2 - Se forem virgens nas andanças hospitalares públicas (e espero que o sejam por muito, muito tempo), não percam tempo a procurar indicações de procedimentos nas salas de atendimento. À falta de balcão visível, perguntem à primeira pessoa minimamente inteira que esteja sentada por ali como é que a coisa funciona.
3 - Não há sangue, não há pressa. Manter-se nas pernas, ter os olhos abertos, articular discurso e não apresentar sinais de trauma são os quatro pré-requisitos para vos chaparem na ficha a etiqueta da cor mais baixa na escala das urgências. Grávidas, ossos partidos, mãos arrancadas, passa-vos tudo à frente, e não interessa a ponta de um corno que vocês já estejam a ver a vida toda em sequência rápida perante os olhinhos. Disseram-me que cortar os pulsos costuma funcionar, desde que a enfermeira de serviço vos veja. Desmaiar ao balcão também é uma boa táctica, mas dá mais trabalho, porque a perda de sentidos tem de ser real. Afinal, estamos num hospital...
4 - A vossa roupa e os vossos objectos pessoais deixam de ter importância a partir do momento em que vos deitam numa maca. Passaram a ser um paciente. Objecto de estudo e prospecção, sujeito e condicionado às regras e ditames do corpo médico e de enfermagem da instituição. Aceitem.
5 - As enfermeiras, por mais putas e sádicas que se mostrem, têm sempre razão. São um pesadelo kafkiano. Pequenas vitórias pessoais (como sorrir quando o médico as repreende por um erro) serão duramente punidas a posteriori na enfermaria. Lembram-se da Misery? É pior, mas sem as amputações. No trato com as enfermeiras, deixem o instinto de sobrevivência levar a melhor sobre todos os vossos valores morais e éticos, não se arrependam e nunca repitam a ninguém o que foram capazes de fazer para sobreviver dentro daquela enfermaria. É a guerra pela preservação da vida.
6 - Tudo o que ouviram sobre a comida de hospital é verdade. Deve-se comer melhor numa prisão chilena, remodelada depois do Pinochet. Façam o possível por ficar a soro, apesar do desconforto de sentir a intravenosa a dançar por debaixo dos vossos tecidos sempre que mexem o braço. Pelo menos assim comem direitinho, com tudo o que faz falta e sem paladar.
7 - O conceito de higiene tem uma interpretação muito própria num hospital. Salas amplas, claras e assépticas? Filme. Pessoal a trocar de bata descartável a cada dois minutos? Filme. Indivíduos com aspectos de serem concomitantemente portadores de hepatite, tuberculose e sars? Aos pontapés. Cheio a desinfectado? Boa sorte. Tomar duche? Não há, não se usa, não é preciso. Não acreditam? Experimentem.
8 - Nunca entrem de urgência num hospital público imediatamente antes de um fim-de-semana ou de um feriado. Cerrem os dentes e aguentem. O mais que possam. Se não tiverem outra hipótese, preparem-se, porque podem ficar operacionais em quatro horas, mas só saem quando houver médico para assinar a baixa. Ou seja, no primeiro dia útil que apareça. A estorieta dos filmes do "eu assumo a responsabilidade, dê-me o termo que eu vou-me embora!" não funciona. Façam como eu e tentem com várias pessoas diferentes, mas preparem-se para esperar.
Acima de tudo, minha gente... Se não der mesmo, mesmo, mesmo para espremer do salário o valor mensal de um seguro de saúde, boa sorte. Muito boa sorte. Mesmo.
2 - Se forem virgens nas andanças hospitalares públicas (e espero que o sejam por muito, muito tempo), não percam tempo a procurar indicações de procedimentos nas salas de atendimento. À falta de balcão visível, perguntem à primeira pessoa minimamente inteira que esteja sentada por ali como é que a coisa funciona.
3 - Não há sangue, não há pressa. Manter-se nas pernas, ter os olhos abertos, articular discurso e não apresentar sinais de trauma são os quatro pré-requisitos para vos chaparem na ficha a etiqueta da cor mais baixa na escala das urgências. Grávidas, ossos partidos, mãos arrancadas, passa-vos tudo à frente, e não interessa a ponta de um corno que vocês já estejam a ver a vida toda em sequência rápida perante os olhinhos. Disseram-me que cortar os pulsos costuma funcionar, desde que a enfermeira de serviço vos veja. Desmaiar ao balcão também é uma boa táctica, mas dá mais trabalho, porque a perda de sentidos tem de ser real. Afinal, estamos num hospital...
4 - A vossa roupa e os vossos objectos pessoais deixam de ter importância a partir do momento em que vos deitam numa maca. Passaram a ser um paciente. Objecto de estudo e prospecção, sujeito e condicionado às regras e ditames do corpo médico e de enfermagem da instituição. Aceitem.
5 - As enfermeiras, por mais putas e sádicas que se mostrem, têm sempre razão. São um pesadelo kafkiano. Pequenas vitórias pessoais (como sorrir quando o médico as repreende por um erro) serão duramente punidas a posteriori na enfermaria. Lembram-se da Misery? É pior, mas sem as amputações. No trato com as enfermeiras, deixem o instinto de sobrevivência levar a melhor sobre todos os vossos valores morais e éticos, não se arrependam e nunca repitam a ninguém o que foram capazes de fazer para sobreviver dentro daquela enfermaria. É a guerra pela preservação da vida.
6 - Tudo o que ouviram sobre a comida de hospital é verdade. Deve-se comer melhor numa prisão chilena, remodelada depois do Pinochet. Façam o possível por ficar a soro, apesar do desconforto de sentir a intravenosa a dançar por debaixo dos vossos tecidos sempre que mexem o braço. Pelo menos assim comem direitinho, com tudo o que faz falta e sem paladar.
7 - O conceito de higiene tem uma interpretação muito própria num hospital. Salas amplas, claras e assépticas? Filme. Pessoal a trocar de bata descartável a cada dois minutos? Filme. Indivíduos com aspectos de serem concomitantemente portadores de hepatite, tuberculose e sars? Aos pontapés. Cheio a desinfectado? Boa sorte. Tomar duche? Não há, não se usa, não é preciso. Não acreditam? Experimentem.
8 - Nunca entrem de urgência num hospital público imediatamente antes de um fim-de-semana ou de um feriado. Cerrem os dentes e aguentem. O mais que possam. Se não tiverem outra hipótese, preparem-se, porque podem ficar operacionais em quatro horas, mas só saem quando houver médico para assinar a baixa. Ou seja, no primeiro dia útil que apareça. A estorieta dos filmes do "eu assumo a responsabilidade, dê-me o termo que eu vou-me embora!" não funciona. Façam como eu e tentem com várias pessoas diferentes, mas preparem-se para esperar.
Acima de tudo, minha gente... Se não der mesmo, mesmo, mesmo para espremer do salário o valor mensal de um seguro de saúde, boa sorte. Muito boa sorte. Mesmo.
5 Somethin' Else:
só te falta ir para a rua... "terra da fraternidade"
Bem visto, a nú e a crú...
Been there, done that. Acompanhando, que eu, felizmente, nunca precisei. (vou ali bater na madeira).
Já agora, se tiver uma solipampa repentina, mesmo assim arrisco Santa Maria, ou atravesso a ponte até Almada, que é melhorzinho. Ao menos lá têm tudo o que é preciso, e já ouvi umas histórias de terror bem catitas da urgência do Cuf Descobertas, partem todas do bonito princípio de não haver triagem.
O melhor é ter um médico assistente que conheça os meandros e atenda o telemóvel, sempre haverá quem nos acuda.
Boas melhoras :)
Está tudo a rolar, miúda?
Filipe,
Eu já perdi esperanças de mudar cá o jardim à beira-Atlântico plantado. Mas o direito ao resmungo, esse, ninguém mo tira!! :-P
Coroneu,
Mais cru que nu, graças aos céus! As batas hospitalares não eram abertas nas costas, como nos filmes, e ainda bem, que na minha enfermaria só havia mulheres feiosas e fora do (meu) prazo de validade. ;-)
Brincadeirinha. Mas infelizmente é um relato ipsis verbis do que vi. E como foi a primeira experiência de internamento, chocou mais. Mas ficou a aprendizagem, eheheh.
Lisa,
Eu nunca tinha, sequer, entrado num hospital público, nem como visitante... Foi cá um embate...
Habituamo-nos aos mitos urbanos das enfermeiras de obstetrícia a gritar às parturientes "quando o fizeste não te queixavas assim!", mas depois vemos o ER e o Hospital Central e achamos que é tudo produto da nossa imaginação. Não é.
Espero que nunca precises, mas se for o caso, muito cuidado na escolha do destino. :-)
Leonor,
Mais aos solavancos, mas em marcha! ;-) Já está tudo, ou recomposto, ou a caminho de o estar. Obrigada! :-)
_______________
Post-scriptum,
Têm-me dito ao longo do dia de hoje, à medida que vou telefonando às pessoas a explicar porque é que não fui aqui, ali e acolá, que não posso julgar todo o SNS através de uma única e má experiência.
Tenho respondido que o direito aos cuidados básicos de saúde não deve ser uma questão de sorte: de acertar com a data, o hospital, os outros pacientes, os médicos, as enfermeiras, os analistas, o equipamento, o abastecimento, os voluntários, a empresa de catering.
São demasiadas variáveis para que se possa fazer depender um atendimento da casualidade da sorte. Afinal, estamos a falar de vidas.
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