12 abril 2006

"Isto é tudo o que há."

Ouço a porta fechar-se nas minhas costas. As luzes estão apagadas. A casa vazia. Silêncio. E de repente percebo. Num instante incontável tudo se torna evidente. É a ausência total. O vácuo de sentido nos gestos que o corpo toma, a tábua rasa de significado das emoções que a alma produz. Ajoelho-me na tijoleira da entrada e dobro-me até encostar a fronte no tapete. Abandono-me ao que sinto depois de demasiados dias em dormência. Os músculos finalmente distendem e relaxam. Cai a vontade, sai o grito. Quando tenho coragem para erguer a cabeça, vejo os olhos fosforescentes do gato numa mirada incólume, sem significado. Limita-se a estar ali e a ver-me. Sem expectativas, sem juízos de valor. Sem esperanças ou ambições mascaradas. Limita-se a estar lá e a ver-me. No olhar mais sincero que já recebi na vida está a única verdade que nunca me disseram.

7 Somethin' Else:

Blogger SK escreveu...

Coloco-me a mesma dúvida. E depois percebo que às sete da manhã já há luz do sol, que as linhas de contorno de tudo cintilam, que os desejos e anseios permanecem os mesmos e a integridade destes é a identificação da própria ideia de continuidade. E depois pergunto-me porque sorrio, e acho a resposta na acumulação de pequenas expectativas, que fazem os dias que passam em direcção a algo.
Percebo que há viagens que nem se desconfiam, recordo os sorrisos (o teu aparece-me frequentemente)e a dúvida permanece. Isto (não pode ser) tudo o que há :)
Bom dia.

abril 12, 2006 9:19 da manhã  
Anonymous Anónimo escreveu...

Revejo-me.
Sem gato a assistir. Sozinha.
...

abril 12, 2006 10:12 da manhã  
Anonymous Anónimo escreveu...

e se calhar é mesmo... às vezes pergunto-me se, ao contrário do que se pensa, não construímos sonhos... e esses olhares reais, esporádicos, esses momentos vagos, alucinantes, eles mesmos para nós sonhos, não serão afinal a derradeira revelação (uma espécie de experiência pós morte)? quem souber viver com isso que apanhe os cacos e aponte mais um tento...

abril 12, 2006 2:24 da tarde  
Blogger Nuno Guronsan escreveu...

Por aqui a casa também está vazia, literalmente. O silêncio só é quebrada pela música, sempre a música em pano de fundo. Se me sinto sozinho? Um pouquinho, mas ao mesmo tempo em paz e tranquilo, os músculos a descansarem de um dia de trabalho, as células cinzentas a abrandarem o ritmo dos impulsos eléctricos dirigidos ao resto do corpo.

Não há gatos, mas as fotografias espalhadas pela casa, de amigos e familiares, rodeiam-me e confortam-me.

Bonito post, beijos.

abril 12, 2006 7:35 da tarde  
Blogger M. escreveu...

Stephen,

Acho que para os crentes, como nós, a dúvida é permanente; recorre sempre que o corpo ou o espírito falham e é seguida do renovado reviver das viagens e dos sorrisos que aporta em novo círculo refrescado optimismo.

Mas a súbita clarividência da ausência de sentido, da redução granítica da transcendência íntima a meros anseios profundamente humanos é aterradora na sua limpidez. Devemos, a bem da continuação de algum tipo de vida interior, omiti-la conscientemente, mas a dúvida fica lá. E se os olhos e a pele e as pedras e as folhas e as teclas e os sons forem, de facto, tudo o que há? E se o amor e a paixão e o ódio e a alegria e a angústia e a saudade não passarem de emanências religiosas que querem à viva força dar sentido a algo que não é mais do que uma existência física?


Cara anónima,

:-| A empatia com este pedaço de consciência súbita não seria algo que lhe desejaria. Mas é sempre reconfortante sentir certo tipo de ecos. Se encontrar respostas prometo partilhá-las...


Nota explanatória:
A questão da solidão não era a que aqui se punha. O cenário que enquadrou o estranho nirvana foi de facto um de ausência de preenchimentos, mas apenas porque os pensamentos são algo que passamos a vida toda a fazer em solidão.

Um certo isolamento é algo que me caracteriza e que me é imprescindível para, inclusive, estar bem com quem me é exterior. Felizmente (e graças a todos os deuses do imaginário humano!) as solidões da minha vida não são dolorosas. O mesmo não poderei dizer das ausências do meu mundo.


Filipe,

Não o teria dito melhor. Novamente, partilhamos certo tipo de consciência e determinadas dúvidas conceptuais.

Há momentos em que passamos para um universo alucinogénico, onírico - e é assustador que estes ocorram sem a provocação das drogas ou dos choques físicos. Serão estes reflexos de uma realidade que não somos capazes de reconhecer em apenas três dimensões?

Não sei. Mais, não quero saber. Prefiro não saber, não sou capaz. Os cacos foram varridos para baixo do tapete, a bem da continuação da minha sanidade, da minha felicidade e do que de bom ainda possa vir a aportar ao mundo que me rodeia.


Nuno,

Disseram-me, um dia, que acabamos de crescer quando encontramos conforto no silêncio da nossa solidão. :) Como tu agora me repetes com o exemplo do teu vazio... Obrigada. :)

Beijos.

abril 12, 2006 9:47 da tarde  
Anonymous Anónimo escreveu...

provocação: ainda cabem coisas debaixo do tapete?

abril 13, 2006 12:00 da tarde  
Blogger M. escreveu...

Têm que caber. :-) Eu sei lá quantas mais vezes me vou deparar com conceitos que sou incapaz de racionalizar?? É melhor manter espaço disponível para acolher o varrimento de novos pensamentos transviados. ;-)

abril 17, 2006 11:31 da tarde  

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