07 abril 2006

Closure

Sabem quando um tema nos entra pela vida adentro, sem pedir licença e sem permitir que o ignoremos? A semana em que, novamente, reentra na minha vida a mais doce e a mais agonizante recordação do meu passado, é também a semana em que mantenho uma certa conversa com a Navel e em que leio determinado artigo na NM. Não dava mais para ignorar. Os sentidos, por vezes, captam parcelas da realidade que se impõem como coincidências cheias de propósito.


Closure
In psychology, closure may refer to the state of experiencing an emotional conclusion to a difficult life event, such as the breakdown of a close interpersonal relationship or the death of loved one. (Wikipedia)

Closure é, de facto, um conceito que me é muito caro. Uma prática que me custou a adquirir, mas que, a certo ponto, se tornou a única solução possível para prosseguir o meu caminho fiel ao que sou e àquilo em que acredito. Em certos pontos da nossa vida, quando a nossa própria dor nos parece demasiado atroz para suportar, quando a perda nos fere em nervos que nem sabiamos ter, chegamos a uma encruzilhada. A um local onde se abrem três veredas à nossa frente. A um espaço onde muitos escolhem permanecer, por tempo indefinido, porque não lhes é permitido percorrer o caminho de volta, mas, ao mesmo tempo, nenhuma das novas estradas lhes parece viável.

Se falarem com qualquer psiquiatra norte-americano (aos portugueses nunca vi abordar o tema), vão ouvir que estão tipificadas três formas de obter closure. A conceptual, em que o indivíduo analisa e racionaliza a sua dor, como forma de a compreender, para depois a aceitar e incorporar na sua forma de ser e de agir no futuro. A retributiva, que leva à sede de vingança, à necessidade de ferir em maior escala aqueles que o indivíduo aponta como responsáveis pelo seu próprio sofrimento para sentir que as contas foram ajustadas, que o sangue derramado pagou a factura e lavou o passado. E a dissociativa, a mais comum, em que o sujeito reprime a sua dor e o seu sofrimento, não os manifestando abertamente e encerrando-os numa espécie de personalidade alternativa, que não assume como sendo o seu "ego" e que lhe permite manter a linha de vida tida até ao momento enquanto projecta num "alter-ego" as frustrações derivadas da incapacidade de gerir a dor. Levado ao extremo, o dissociative closure, manifesta-se num distúrbio de identidade dissociativa, mas normalmente reflecte-se em algo que nos é muito familiar: pessoas que assumem várias envolventes sociais díspares, como se mantivessem, em malabarismo, várias vidas concomitantes.

Várias formas diferentes de obter, ao fim e ao cabo, paz. De anular, de pôr um ponto final nas consequências dos acontecimentos passados, para prosseguir com algo que é a ambição de todo o ser humano: uma vida feliz. A coisa não é tão linear; eu - angustiada-mor - que o diga. Na minha adolescência, por uma conjugação de uma série de infelicidades fora do meu controle com os naturais dramas característicos da idade, optei sempre por me dissociar das consequências do sofrimento, por projectar uma imagem criada meticulosamente para surgir aos olhos alheios como imune a qualquer tipo de sensação. Quando descobri o poder de manipulação que as pessoas observadoras e sensíveis conseguem ter, passei a usar a vingança como forma de extirpar a dor. Só muito recentemente percebi que essa ambição de ser feliz é um pouco como um amor de sucesso: implica trabalho, muito.

Tudo pode acontecer numa vida. Em consequência lógica, estamos destinados a muitas dores e a alguns sofrimentos atrozes. Mas se não formos capazes de perceber, aceitar e seguir em frente nunca seremos grande coisa. Não quer isto dizer que devamos ignorar paulatinamente o que nos vai sucedendo. Muito pelo contrário. O que quer dizer, acho eu, é que é preciso um bom par de tomates para sentir o golpe e, mesmo assim, ter a consciência de saber que vai suturar e que a vida vai continuar, muito semelhante ao que era antes...

É neste estado de espírito que a entrevista de María Jesús Álava Reyes cai que nem mel na sopa. A psicóloga espanhola, a propósito do
livro que publicou recentemente e em entrevista à Notícias Magazine, afirma coisas tão básicas e tão lógicas como as que se seguem.

"Muita gente parece que ficou parada no sofrimento e que tira partido do facto de inspirar pena: consegue manter a atenção de quem a rodeia e faz disso uma forma de vida. Estas pessoas têm muita resistência a mudar e quando se lhes diz que as coisas podem ser de outra maneira, elas, que estavam muito tranquilas na sua infelicidade pela qual culpam os demais, preferem não acreditar porque se esta depender delas, que é a primeira coisa que dizemos a alguém, significa que são responsáveis pela sua vida e que têm de esforçar-se. E há quem não queira esforçar-se muito. Mas é um erro. Primeiro, porque quem está ao lado acaba por se cansar, e segundo, porque assim a pessoa não se permite ser feliz e buscar a parte mais positiva da sua vida."

'A psicóloga espanhola estima que 95 porcento do nosso sofrimento seja inútil. "Sofremos não tanto pelo que nos acontece, mas pela forma como interpretamos a vida, pelos pensamentos que temos." '

"Uma coisa é quando cometemos um erro termos a capacidade de o reconhecer, analisar e tirar dele os ensinamentos necessários para não voltar a repeti-lo. Outra muito diferente, e contraproducente, é passar horas e dias a revê-lo na nossa cabeça, e a martirizar-nos com isso. Se for remediável, o que há a fazer é passar à acção para o resolver. Mas se não for, só há uma forma inteligente de lidar com o assunto: aprender com ele e deitá-lo para trás das costas."

Ou, como dizia à
Navel: "That's something we've learn: no need to dwell neither in the glooms nor in the glories of the past. It's as sure as death: the past can't be undone. We need to accept it and start loving ahead, not back."

Pragmático, não? Se deixei de sofrer pelo meu passado? Não. Mas aceitei-o. Se continuo a pensar no que podia ter sido, se apenas...? Não. De todo não. Se não tenho vontade de me auto-comiserar de quando em vez, só para sentir que sou um ser humano único que não merece a merda de mundo em que vive? Às vezes, até porque nada ajuda mais ao processo criativo do que uma boa dose de angústia existencial auto-inflingida. Mas apesar de tudo isso, quero muito viver, cada vez mais, e crescer, cada dia melhor. Quero ter a certeza de que, aconteça o que acontecer, nunca deixarei de ser capaz de amar. E isso só se consegue aceitando.

5 Somethin' Else:

Blogger Navel escreveu...

I read the same article. I must say that usually I'm quite sceptical when it comes to ready-made psychology. But something happened after reading that article. Like a decision made long ago, which I could only admit to come to light now.

Closure does not mean to deny what happened nor bury it deep down and (try to) ignore it. We couldn't even if we tried, could we? Those stories are part of who we are now. Those and many others.

I do agree. Closure happens when we accept, integrate and then move on. Live.

Lovely as usual :)

abril 07, 2006 9:59 da manhã  
Blogger Lisa escreveu...

Nem fazes ideia do que me significa o que escreveste.
Closure: é um trabalho intenso, doloroso; é percorrer a nossa via sacra e emergir do sofrimento e da dor. Permitirmo-nos ver, de novo, o sol, as estrelas, a lua. Ser feliz, concedermo-nos tal prerrogativa. Não desistir. Nunca.
Hoje é um dia, uma data, em que se marca um início de uma das minhas vias sacras. Depois de muito trabalho e tenacidade, estou, de novo, à tona da minha vida. Três anos depois sou, de novo, feliz.
:)

abril 07, 2006 10:04 da manhã  
Anonymous Anónimo escreveu...

mais um excelente tema neste teu "maraviblog". confesso que no que toca à compreensão daquilo que me acontece sou do mais pragmático q pode haver, até hoje não tive dificuldades em reconhecer e agir ou em reconhecer e aceitar. obviamente que sou bastante conceptual neste assunto, incorporo, aceito (que remédio, pois se aconteceu e se não existem máquinas do tempo) e sobretudo tento aprender. no que toca à dor e ao sofrimento, eles hoje são muito mais complexos do que eram antes, não? a capacidade de relativizar, de aceitar a natureza das coisas é algo que nos distingue, em última análise, na aceitação da morte, da natural ou trágica ou daquela que se divide em tantas por toda a nossa vida... superar ou não cada uma delas diz do nosso grau de castração, doença, fertilidade ou saúde (sanidade) na vida.

abril 07, 2006 5:12 da tarde  
Blogger a miúda escreveu...

Não sei exactamente o que sinto ao ler isto, acho que é um misto de compreensão e revelaçnao de algo que sempre esteve lá mais ainda nnao tinha sido posto em palavras.
De qualquer forma, fez-me lembrar algo que me disseram há muito tempo e que ainda que possa parecer fora de contexto me parece encaixar perfeitamente na lógica descrita.
"Nunca nos devemos arrepender de nada!" Dito assim pode parecer demasiado extremista e irresponsável, pois quando erramos devemos saber reconhecer, mas ao mesmo tempo a verdade é que ao errarmos não há muito mais a fazer do que tentar remediar a situação, pedir desculpas (no caso delas)ou refazer as coisas (caso seja possível), e a verdade é que tudo pelo que passamos na vida nos faz aprender algo sobre ós próprios, sobre os outros, sobre o mundo, etc.
É por isso que acabei por achar que de facto fazia todo o sentido não nos arrependermos, na medida que de nada adianta, é necessário ultrapassar e seguir em frente, retirando o que quer que seja de proveitoso que o episódio tenha trazido.
Desculpem se a "intrusão" não tiver nada a ver...

abril 07, 2006 6:15 da tarde  
Blogger M. escreveu...

Navel,

I'm kind of alergic to self-help litterature also. But this interview was so down to earth, so simple, that it made perfect sense. Specialy combined with what we've been talking about.

That acceptance, integration and moving forward process is exactly my point! I've known so many people lately that keep telling themselves they are over something or someone when they're just staying completely or running away, that I'm starting to preach about it... ;)

Thank you.


Lisa,

Não imaginas como me alegra saber que, de alguma forma, o que tentei exprimir encontra certo tipo de sentido do outro lado.

É um caminho horrível. Que destrói todas as certezas que achavamos ter para deixar apenas dor, raiva e insegurança. Deixa medo, muito medo. Mas aqueles que são capazes de percorrer essa via sacra de que falas surgem do outro lado tão mais fortes e tão mais dispostos a continuar a tentar viver felizes...

Parabéns, sentidos. Não pelo sofrimento de há três anos, mas pela felicidade que agora voltas a merecer!


Filipe,

Muito obrigada. :) Continuo a achar que tu és das poucas pessoas que conheço que sempre foi absolutamente pragmático e coerente com este processo de procura de closure. Mesmo nos períodos em que sabia que te estava a ver sofrer, desalmadamente, nunca te afastaste um milímetro da pessoas que és e queres ser. Essa é uma das razões pelas quais tenho por ti uma admiração imensa. :)

"superar ou não (...) diz do nosso grau de castração, doença, fertilidade ou saúde (sanidade) na vida" - Não podia estar mais de acordo.

Continuo a achar que a maioria das pessoas com quem me cruzo pela vida sofrem, em algum grau, mais ou menos acentuado, de distúrbios de personalidade causados, exactamente, pela total incapacidade de se conhecerem, de encetarem processos de introspecção e de agirem sobre si mesmos para corrigir e melhorar.


nunf,

Pelo contrário, o que dizes faz todo o sentido! São exactamente esses os meus argumentos para afirmar - em sinceridade total - que nunca me arrenpo de nada que faça.

Mas viver com essa consciência (humanista) de que falas é assumir muito trabalho, é perceber que custa viver e que as coisas boas da vida devem ser merecidas.

Mas, afinal, talvez seja essa a única forma de nos sentirmos bem connosco mesmos, de levarmos uma vida coerente e, com alguma dose de sorte, de encontrarmos pessoas lindas que nos façam felizes. :)

abril 10, 2006 4:20 da manhã  

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