23 junho 2006

Cascata na escarpa

As Fontaínhas são o coração do santo padroeiro da cidade do Porto. Não passam de duas ruas que se tocam, perpendicularmente, sobranceiras ao Douro, lá bem empoleiradas juntinho à desaparecida muralha. Durante quase todo o mês de Junho, restaurantes improvisados, diversões de feira e vendedores ambulantes alinham-se nas Fontaínhas para diversão e entretenimento dos milhares de populares que não dispensam a bela da sardinha ao ar livre e umas quantas farturas a escorrer óleo à sobremesa.

Antes que a multidão invada o espaço, a minha família mais próxima tem por tradição organizar uma jantarada nas Fontaínhas. Oito pessoas, três dúzias de sardinhas e algum entrecosto, seis garrafas de vinho, pimento assado, batata cozida e caldo verde com pouco "entulho", como dizem os antigos. Uma mesa bem disposta, parvoíces que rolam sem parar, inícios de debates políticos que descambam na anedota, sintonias que só são possíveis entre gente que se conhece desde que nasceu. Um "ponha, ponha, ponha" rido estupidamente alto que faz as mesas circundantes juntarem-se à gargalhada. Uma dúvida piscícola que termina, duas horas depois, com um "corvina!" a despropósito. O tradicional copo de vinho que alguém entorna (comprovando a lei de Murphy; tinto em toalha branca). Duas séries de partidas de matrecos em que até o avô entra, no seu look desportivo de casaco sem gravata e camisa de colarinho desapertado.

Ao subir a rua de regresso aos carros percebemos porque são as Fontaínhas um dos nossos palcos de reuniões familiares. Na estrada reúne-se um grupo de moradores que monta uma cascata sanjoanina, em pleno passeio, encostada à fachada branca de uma casa. O rapaz que segura as figuras de barro nas mãos, volta-se para trás e pergunta "ó dona Arminda, não é a senhora que tem daquela espuma das flores lá em casa?" "Não, é a minha filha, mas espera que já lhe peço." Gira nas pernas roliças e berra na direcção de uma janela aberta no segundo andar da casa fronteira: "ó Manela! Anda cá ajudar na cascata e traz espuma para segurar as palmas!". Minutos depois, a dita Manela atravessa a rua, com chinelos nos pés, uma criança ao colo e outra pela mão. O mais crescido, depois de entregar um bloco de esponja verde ao rapaz que continua ajoelhado a compôr o santo, a banda e os animais, olha para mim do alto dos seus 60 centímetros e atira-me um "tu não moras aqui". "Eu? Pois não, estou só a ver a vossa cascata que vai ficar bem bonita." O rapazito apanha do chão uma flor, estende-ma e diz "como não és de cá, não podes pôr um boneco, mas eu deixo-te pôr esta flor. Assim no São João, quando passares por cá, podes dizer aos teus amigos que a cascata também é tua."

A margarida amarela lá ficou. :-)

"...dá cá um balão..."

3 Somethin' Else:

Blogger APC escreveu...

Desculpa se acaso a pergunta é tôla... Mas tu não és de lá?...

junho 24, 2006 4:36 da manhã  
Blogger A escreveu...

Excelente!

E quer tal o São João por aí?

Por cá fenomenal, mesmo e apenas pela animação porque quanto à tradição e às obras... enfim...

Beijos :)

junho 24, 2006 1:41 da tarde  
Blogger M. escreveu...

APC,

A pergunta não é tola, mas não sou. :-) Nasci em Miragaia, mas já há anos que não moro, sequer, no centro. E nas Fontaínhas nunca vivi, foi sempre mais lá para cima, entre a Baixa, as Antas e o Marquês.


A,

O S. João foi um estouro. Literalmente. De morrer. :-) Tens que vir cá experimentar umas festas populares. Prometo que, se vieres, no ano seguinte experimento as algarvias. ;-)

Beijos!

julho 02, 2006 8:06 da tarde  

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