Venham-me falar de deus...
O que se escreve num cartão de condolências que vai preso a um ramo de lírios brancos, para ser deixado ao lado do caixão de uma criança de seis anos, que viveu mais de dois com a agonia do cancro? Que palavras ficam para a mãe que as lê?
4 Somethin' Else:
Nada há de ajustado que se diga sobre o que de justo nada tem.
Calhou que os seres vivos não conseguissem, até hoje, perceber porque raio o são. Porque nascem, porque morrem. E porque se vão (e sofrem) os bons, os inocentes, os que deviam ser felizes, e não apenas os que desmerecem viver...
Pensar que é tudo aleatório deixou os Homens perdidos ao longo dos tempos; mas fazê-lo desígnio de um ente superior pouco abonou a favor de quem perde quem mais ama.
Um forte abraço.
Realmente as palavras pouco interessam nessas ocasiões, pensa o Coroneu...
"Sabença".
Aprendi desde pequena a pedir esta estranha palavra ao meu avo, sem perceber ao certo o que queria dizer. Dizia e pronto. Nunca me lembrei de questionar. Achava o momento meio teatral como uma vénia ao patriacarca de uma familia de 11 filhos e uma filha. Morta pelo cancro.
Nunca quis ir.
Nunca quis ver o meu gordo avô definhar, com os olhos turvos por dores que não sabia explicar. Por um fim de vida que fez dele um fio de homem. os olhos que conhecia do meu avo, olhavam-me todos os dias com um pedido. E porque amo o meu pai: eu fui.
O meu avô era menos de metade da sombra do homem a quem durante 25 anos pedi "Sabença".
A depender de soro, a depender de egente que nao sentia nada por ele, consumido por essa palavra transformada em destruição. Como a filha, o pai morria de cancro.
"Estas robusta", diz ele quando eu entro no quarto asséptico. Mas não fui, chorei e ele viu. E Perguntou porque. "Porque ninguém cá fica".
No funeral, perguntei ao meu pai: Diz-me da "Sabença".
Foi o unico sorriso de muitas semanas: "Sabença? Quer dizer Sua benção, Anita".
Todas as vezes que a pedi, a benção foi-me concendida com um doce sorriso. o mesmo com que o meu avô vai receber a "tua" menina.
Luv U,
Mi*
APC,
Acredito que a religião e a arte partilham a mesma raiz - ambas nascem da necessidade, intrínseca ao ser humano, de produzir normas e realidades que justifiquem a sua transcendência nunca completamente comprovada empiricamente. Uma busca que, em si mesma, já prova que somos algo mais do que meros animais. A Morte cai neste quadro como algo negativo, algo que nos termina e acaba, e por isso como algo que conotamos como mau e que, inerentemente, queremos ver aplicado ao sabor da nossa dita moral vigente - devemos morrer porque somos velhos, porque conduzimos mal, porque cometemos atrocidades. Não estamos formatados para lidar com a morte de uma criança - tanto que a religião que nos é mais próxima encontrou o dogma perfeito para o justificar, o belo do pecado original... Ainda assim, por mais fria que seja a perspectiva, nada consegue afastar-nos da dor inerente à perda injustificada e à miserável impotência da nossa humanidade...
Coroneu,
Muito pouco. Nem o mais puro dos abraços alivia a dor.
Mi,
Lindo. Obrigada. Ajudou a mitigar a dor.
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