23 janeiro 2006

Humanismo europeu

Comprei este livro hoje ao início da tarde e acabei-o ainda antes de jantar. Apenas 55 páginas de um conteúdo admirável. Trata-se da transcrição da Décima Palestra que Steiner proferiu no Nexus Institute, com ensaio introdutório de Rob Riemen e prefácio de Durão Barroso - brilhantemente traduzida, refira-se.

Acessível na escrita e no preço (9,5€ na Bertrand), "A Ideia de Europa" articula um postulado velho como o mundo: a civilização europeia como a conhecemos assenta na "existência continuada do melhor da sua cultura", respeitando "o seu código moral intelectual". Quem já viveu fora da Europa encontrará ainda neste livro a sistematização de algumas causas para esse sentimento tão presente além mares que é o de que se é, mais do que português, europeu.


Na introdução, Riemen relembra o papel da nobilitas literaria, da cultura animi e da dignitas da pessoa humana na construção desse código moral intelectual que é a pedra de toque do moderno humanismo. Uma discussão que caiu em desuso e que é aqui recuperada pelo director fundador do Nexus Institute ao articular os pressupostos indispensáveis para trilhar o caminho da educação liberal: erudição, capacidade de ver o nexus, elitismo (no original sentido do termo) e respeito.

De destacar duas verdades que, para os ainda resistentes humanistas, são La Palissianas:
"(...) a existir algo - para além do amor e da amizade - que possa conferir sentido à vida, é a beleza da arte." e

"(...) uma sociedade que não cultiva as grandes ideias humanistas, acabará, novamente, na violência e na autodestruição."

Já Steiner, na sua intervenção, define a Europa através de cinco axiomas, aqui cruamente apresentados, mas cujos argumentários merecem leitura detalhada.
"A Europa é feita de cafés."
"A Europa foi e é percorrida a pé."
Na Europa "as ruas e praças são nomeadas segundo estadistas, cientistas, artistas e escritores do passado".
A Europa recebeu uma "herança dupla de Atenas e Jerusalém."
A Europa tem uma "consciência própria escatológica".

Consciente dos desafios decisivos que se colocam ao velho continente na actualidade (a conferência teve lugar em 2004), George Steiner aponta o ideal de harmonia europeu - assente na coexistência das suas diversidades linguística, cultural e social - como a pedra basilar de onde poderá partir a reacção europeia à conjuntura geo-política mundial.

Para o autor, a presente "vaga gigantesca de agnosticismo, se não ateísmo" poderá fazer "surgir uma Europa pós-cristã" que produzirá um humanismo secular, assente numa eventual "revolução contra-industrial" que, através de "certos ideais de lazer, de privacidade, de individualismo anárquico", nos distancie dos modelos americano e americano-asiático.

Conclui Steiner que "liberto de uma ideologia falida, o sonho pode, e deve, ser sonhado novamente. É porventura apenas na Europa que as fundações necessárias de literacia e o sentido da vulnerabilidade trágica da condition humaine poderiam constituir-se como base."

Porque a "vida não reflectida não é efectivamente digna de ser vivida".

Amen.

4 Somethin' Else:

Blogger Navel escreveu...

Try "The Search for the Perfect Language"... It will certain open new doors on the idea of Europe.

janeiro 25, 2006 10:40 da manhã  
Blogger M. escreveu...

The unforgettable Eco... Another one for the (long) list. Thanks mate! ;)

(My bad, or there isn't a Portuguese edition????)

janeiro 25, 2006 5:58 da tarde  
Blogger Navel escreveu...

Mmmm... There must be, but I couldn't find it. You have to order it...
This one i have came all the way from London, so it's kinda special :)
Semiotics and the Tower of Babel, the language spoken by God to Adama and by Adam to Eve... mind-blowing....

janeiro 26, 2006 9:49 da manhã  
Blogger M. escreveu...

It's on Amazon's whish list already ;) And I am almost certain I've bought it in Atlanta. Probably still there... ;)

janeiro 26, 2006 10:12 da manhã  

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