07 janeiro 2007

Si vis pax, para bellum

Na nossa teimosa obcessão pela ideia de um auto-centrado lívre-arbítrio, tendemos a não racionalizar os ensinamentos centenários que todos aqueles bem mais sábios que qualquer um de nós nos deixaram em herança como resultado das suas experiências de vida e consequentes conceptualizações sociais e individuais. Limitamo-nos a prosseguir uma existência, mais ou menos mesquinha, de debate intelectual sobre os nossos próprios medos, desejos e acções.

Foram inúmeros os filósofos que nos tentaram explicar que tudo o que conhecemos da realidade são meras interpretações, pobres leituras diminutas de um mundo que nos transcende em absoluto e que jamais conseguiremos abarcar na sua totalidade.

Inconscientes - pobres néscios, todos nós - da falibidade da vida, agarramo-nos a crenças, a pessoas, a convicções e a sentimentos que não poderão, nunca, passar de meras projecções da nossa própria fragilidade humana. Neste quadro de uma simplicidade impressionista buscamos representações surrealistas, que justifiquem as nossas acções, que nos espelhem como somos especiais e como temos o dever de ser bons e coerentes com a nossa suposta moral intrínseca.

Mas sobra-nos apenas o ponto final de um livro que nos custou litros de sangue a gravar para uma eternidade que, no leito de morte, percebemos nunca ter existido.

A justiça poética não passa de uma racionalização das coincidências que nos balsamizaram a alma ao longo da vida. Os feitos que atingimos não foram, afinal, mais do que meras erupções de sucesso que de pronto se desvaneceram em círculos concêntricos provindos do impacto de um grão de areia num oceano de homogeneizados. Somos iguais, todos; perdidos porém na nossa ânsia de diferença.

Não há absolutos. Não há garantias. Não há verdades. Não há mentiras. Não há bem. Não há mal. Há apenas o 'eu'. O que segue respirando e funcionando, numa cadeia ininterrupta de acções-reacções de efeitos imprevisíveis.

E, assim que percebemos que os desígnios poéticos ou divinos não passam de empirismos impossíveis de analisar, compreendemos que a sobrevivência é tudo o que nos resta.

Quem com ferros mata. Não perdoarei jamais que tenhas extinguido em mim a luz divina que me movia. Quem com ferros mata, às minhas mãos morrerá. Quando olhares em volta e vires apenas os cacos de uma vida que um dia julgaste garantida na sua felicidade, quero que saibas. Fui eu quem ta destruiu.

7 Somethin' Else:

Anonymous Anónimo escreveu...

...A magoa e a decepçao sao um lugar comum a muitas pessoas...

É apenas um episodio, um capitulo, im livro. Terás muitos mais de hoje em diante que te farão sorrir e amar, como se o fizesses pela 1ra vez.

Morrer e renascer.

Um beijinho, estou por perto.

janeiro 07, 2007 8:15 da tarde  
Blogger SK escreveu...

Justa Ira é Boa Ira.
Talvez não seja politicamente correcto dizê-lo, mas por vezes a raiva é necessária. É necessário que ela nos queime, que nos exponha os ossos, e que a reconstrução nos coloque acima de tudo quanto foi a sua génese.
Mas a ira tem de ser medida em termos daquilo que nos mantém no caminho dos conceitos, sob pena de nos fazer esquecer aquilo que não pode de forma nenhuma ser relativizável.
I'm, as usual, around.

Beijos.

janeiro 08, 2007 2:51 da tarde  
Anonymous Anónimo escreveu...

Até assusta! Apetece dizer: que bom não ser o alvo dessa zanga ;)
Tirando o último paragrafo que me fez medo, como se não pertencesse ao resto do texto, gostei da restante relativização das coisas.
Correndo o risco de ser tb alvo dessa ira : calma, que não é (ainda) o fim do mundo :>

janeiro 08, 2007 4:49 da tarde  
Blogger Abssinto escreveu...

Muito crú este texto. Verdadeiro, mas crú, e despido de muita coisa... Curte essa dor e depois gostava de ver os próximos textos.

Beijos

janeiro 09, 2007 12:04 da manhã  
Blogger A escreveu...

Um bom texto, M.
Muito bom, na exímia qualidade a que nos habituaste, com alguns laivos de crise existencialista, oscilante entre um Saramago e um Vergílio Ferreira, com sabor a filme manga no final.

:)

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Todos queremos ser diferentes?
Não concordo com essa permissa, conquanto a minha luta passar tantas e tantas vezes por querer ser um pouco mais igual e misturar-me na multidão. Perseguição da normalidade, seja lá o que for que esse conceito abarca.
Coerência, acima de tudo, conformidade com o que se vai dizendo e acima de tudo, defendendo ideais, valores e entendendo o que nos consome por dentro, sem com isso deixarmos de ser humanos. Nas nossas diferenças, mas nunca cultivando um gosto por ser diferente.

Quem quer à força ser e afirmar-se diferente, acaba por perder a própria identidade, à força de agarrar coisas que busca mas que não possui. Na senda existencialista do post e algo pindérica até, arrisco-me a sê-lo (lol), posso mesmo dizer que todos temos as nossas armas e todas as respostas dentro de nós.

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Lembro alguém que dizia num Blog perdido por aí não querer o sangue de terceiros nas mãos... já lá vai muito tempo, mas se a memória não me falha, traduzia uma Paz infinita que não se coadunava com o meu estado de espírito da altura.
Desencontros...?

:)

Tenho saudades de te ver pelo Divã.

Beijos (mil)

janeiro 09, 2007 12:28 da manhã  
Anonymous Anónimo escreveu...

O sofrimento é uma porra, uma merda. Não há nada de bonito nele, não tem nada de poético nem de moralmente edificante.

Não escolhemos sofrer, como (quero crer) também não escolhemos fazer sofrer do mesmo modo atrós qualquer outra pessoa.

A raiva, a ira, são reacções perfeitamente normais do luto a que o sofrimento obriga. Desejar que o causador desse sofrimento partilhe, pelo menos uma parte, desse sofrimento, é justo e normal. Bolas, anormal seria perdoar de imediato! Ninguém é tão santo, nem acho que é saudável sê-lo.

Mas não deixes que a raiva e o desgosto te comam. Vive-os, exorcisa-os, mas não os faças entrar no teu núcleo mais profundo. Não os arrastees contigo, na esperança de os reverter contra quem te causou o sofrimento. Porque isso é escolher viver do e para o sofrimento e, acredita, quem to causou não merece que centres a tua vida nesse pressuposto.

Vive. Acredita (e em ti, primeiro que tudo). Persegue a tua felicidade. Essa é a maior vingança.

Beijos :)

janeiro 09, 2007 11:11 da manhã  
Anonymous Anónimo escreveu...

no leito da morte alguém exclamou "que filho vingador regressará a tróia?". não sei o que se passa, mas acho que não deve haver paredes capazes de corromper essa cabeça de ouro. há muitas coisas que não se podem questionar. porque existem. porque não dependem dos outros para existirem. não dependem das coisas, da sua finitude, ou de projecção em outros corpos, outras mentes. não dependem de contextos, relações ou acasos. bastam para nós. ainda que só aí existam. o teu reencontro com elas será uma benção inevitável. a vida dos outros nunca mais será a mesma depois de ti. esse deve ser o teu maior sossego e o teu maior altruísmo. um beijo enorme amiga

janeiro 09, 2007 3:25 da tarde  

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