13 fevereiro 2006

O português empalidece sem vernáculo

Eu, praguejadora, me confesso. Como diria a santa da minha bisavó, que nunca conheci a não ser através dos relatos de memórias alheias, tenho uma boca de lavagem. Sai-me. Digo "merda", "foda-se", "caralho", "filha da puta" e por aí fora. "Cabrão" parece-me pálido, não cumpre o desejado intuito semântico na sua totalidade. Sai-se-me de tudo. Curioso é que em casa dos meus pais nem "porra" me admitiam.

Mas aqui chegamos ao primeiro ponto onde bate a questão, certo? As palavras têm apenas o significado que lhes damos, já dizem algumas teorias da comunicação que a interpretação da mensagem depende mais do psicossomatismo do receptor do que propriamente dos restantes elementos do processo. "És um bom filho da puta" pode dar internamento hospitalar em alguns contextos e resultar em pancadinhas compinchas nas costas noutros, por exemplo. Uma palavrota, como lhes chamam nuestros hermanos, proferida no calor de algumas refregas pode ter muito maus resultados. Ou, então, desfechos deliciosos. Há de tudo, é como nos hipermercados.

O que deriva o tema, no caso do nosso cantinho, para a questão da aculturação. Portuense de criação, toca-me agrafar a língua entre os dentes quando convivo com gente de outras paragens. Há umas semanas atrás até malta da Figueira estranhou - e eu acho que a Figueira está a Norte. Mas enfim. O facto é que não conheço muitos sulistas que praguejem com convicção; ainda me surprende ouvir um "caralho" dito com determinadas pronúncias. E aconteceu-me um episódio extremamente embaraçoso, há um mesito atrás, quando disse a uma bem bebida mesa alfacinha "Ah, mas ela é uma puta das velhas!". Nem queiram saber. E é que era um sentido elogio! Já não corava assim há... Oh-lá-lá!

Por outro lado, sou mulher e daqueles a quem o facto se nota. O que não ajuda. Admito que seja pouco feminino ouvir uma dama encaralhar como um estivador, essas grandes figuras da nossa imagética que servem mais para os livros que para os carregos já que eu, pelo menos, nunca conheci nenhum estivador. Mas a asneirada ainda é muito conotada com a agressividade e a agressividade ainda está muito ligada à testosterona. Nunca conheci um homem que não franzisse o sobrolho ou subisse as sobrancelhas da primeira vez que me ouve uma daquelas que vêm da alma. :) (Entenda-se que eu também não uso vernáculo como se fossem preposições, e há ambientes em que o evito, como o profissional, não vão pensar que ouvir-me é equivalente a assistir a um filme francês dos anos 90.)

Irritam-me tanto os pseudo-educados que apenas recorrem a um convicto "foda-se" no papel de literatos escritores, como os supostos intelectuais que abominam o futebol, esse "prozac-das-massas". Também me irritam as mulheres que falam ao gritinhos e os homens que andam como se tivessem uma bigorna no escroto. E irritam-me muitas outras coisas, mas isso agora não vem ao caso.

Cada um é livre de usar os vocábulos que lhe apetecer, entenda-se. Mas o vernáculo faz parte da língua portuguesa. Mais importante ainda, da língua viva. Não me parece um crime usá-lo e eu, pela parte que me toca, acho que pode enriquecer o discurso. Exponenciar os diálogos. Colorir as relações. :)

5 Somethin' Else:

Anonymous Anónimo escreveu...

eh pá e que outras coisas é que te irritam e não vêm agora ao caso? diz para a gente saber... ;) eu gosto de futebol (acho q isso não faz de mim um pseudo?, por falar nisso o que é um pseudo? ou se é ou não se é, certo?)e apesar de não ser muito asneireiro, quando é preciso lá sai... olha isto é como ir comer a casa de alguém, quando gostas comes, quando não gostas comes e engoles e sobretudo... calas-te e para a próxima não vais...

fevereiro 13, 2006 12:15 da tarde  
Blogger M. escreveu...

Fica já prometido o post sobre o que me irrita (e que longo que será ;) ) para quando a vida me deixar tempo para o que preciso de fazer: escrever! Argh! Miseras 24 horas...

Eu também acho que ou se é ou não se é. Em sistema de exclusão de partes :). Os pseudos são os que não são, mas pretendem mostrar que são. A malta do verniz. Tinhamos alguns lá na faculdade, lembras-te?? ;)

E também gosto de futebol. Muito. Concomitantemente, também uso o cérebro. ;) Leio, escrevo, vejo filmes, conheço gente, discuto, trilho um caminho de melhoramento quotidiano no sentido do meu ideal humanista de bem comum, que parte da minha qualificação pessoal para uma posterior dádiva aos outros. Ao mesmo tempo digo asneiras, muitas, muitas. :) A conjugação dos vários factores, faz de mim educada ou intelectual? Não. Faz de mim coerente com quem sou e com aquilo em que acredito. Que é, para mim, o único dogma de vida. :) Rais'me foda se não é! ;)

fevereiro 14, 2006 4:26 da tarde  
Blogger Lisa escreveu...

Se te consola, sou uma asneirenta de primeira, adoro praguejar. Já dizia a minha mãezinha que tenho uma linguagem de carroceiro...
Que se foda. O palavrão é o melhor anti-depressivo e analgésico que há, e de borla!
:)

fevereiro 14, 2006 5:33 da tarde  
Blogger M. escreveu...

Bem me queria parecer que tu havias de ser boa pessoa. Primeiro o Smart, depois a rinite alérgica, agora a asneirada... ;)

fevereiro 14, 2006 5:59 da tarde  
Anonymous AF escreveu...

Marry me, c'um car*lho!! ^^

abril 02, 2012 2:07 da manhã  

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