Água e sabão
Quero saltar para dentro dessa bola de sabão que sai dos teus lábios e subir no ar como o balão da cantiga. Quero perder o olhar nos reflexos azuis, amarelos e lilazes que o sol arranca à película translúcida e ver o mar lá em baixo, a correr em círculos desvairados. Quero subir alto nos teus delírios e sentir-me pequena perante a força da tua vontade. Quero colar as mãos no interior da amena esfera perfeita que me envolve e debruçar-me sobre as nuvens deste céu de inverno, branco, luminoso e gelado. Quero perder-me no mundo dos teus sonhos, no universo onírico da tua imaginação desenfreada e flutuar para bem longe desta rua fria, cinzenta e musgosa. Quero que a bola de sabão que sopras em torno de mim se cole às páginas coloridas dessa estória que sai em riscos e recheios das tuas mãos criadoras e me leve à mistura com as personagens insanas do mundo que juntos criámos. Quero pousar devagarinho no chão nevado por onde deslizávamos como dois miúdos nesses invernos que nunca foram e ver esta superfície flexível de sabão solidificar em cristais geométricos de gelo que te enchem o sorriso com o pantone milagroso do descanso.
Repousar na tua mão aberta perante esse rosto cinzelado a dor e mirar-te, pequena, do lado de dentro da bola de sabão com que me vestiste e, como dizia o poeta, tirar a roupa e ficar nua dentro desse teu sorriso que nasce só para mim.
[O Sorriso de Eugénio de Andrade: Creio que foi o sorriso, / 0 sorriso foi quem abriu a / porta. / Era um sorriso com / muita luz / lá dentro, apetecia / entrar nele, tirar a roupa, / ficar / nu dentro daquele / sorriso. / Correr, navegar, morrer / naquele sorriso.]
For you, for Christmas. Thank you for saving my day.
Publicado originalmente em Reservoir Dogs.
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